Quem vem lá?

quarta-feira, 30 de dezembro de 2009

Das coisas que a gente fala e não tem nada a ver



Entrei no elevador, logo entraram outras pessoas, e, nessas situações, sei lá por quê, sinto uma constrangedora e irresistível vontade de rir. Na hora de sair, falei, vermelha e segurando riso:

-Obrigada!
E uma senhorinha, lá dentro:
- Magina, bem.

Fui embora pensando: “Ué, porque agradeci?? Por eles terem dividido o ar comigo?”. Nada a ver.

Numa outra ocasião, entrevistando um prefeito super sério pelo telefone, tratava-o por senhor o tempo todo. Conversa super formal. Na hora de desligar me distraí com um papo que rolava no msn, um amigo se despedia. Foi nesse momento que eu disse pro prefeito:

-Falou então querido, beijão.

Silêncio do outro lado.

-Pra senhora também.

Mão na testa. Noooossaaa, que que eu disse?? Nada a ver.

E quando a moça do pedágio deseja boa viagem? Eu quase sempre digo:

-Pra você também.

Por que boa viagem??... Eu na estrada e ela lá na cabine, viagem ali só se for de ácido, ela deve pensar ao despejar moedinhas na minha mão. Mas eu sempre corrijo, com sorriso amarelo:
- Quer dizer, bom trabalho. Hehehe.

E ela deve me achar muito, mas muito nada a ver.

De tarde, em casa, tocou a campainha e era um vendedor de rede. Abri a porta:
-Alô?
E ele, meio confuso:
-Alô, quer ver umas redes?
E eu, ainda sem me dar conta da cena nonsense que armara:
-Pode ser, quem é?
E ele, já arrependido de ter tocado minha campainha:
-É o vendedor.

Noossa, que que eu to falando? Muito nada a ver, comecei a rir e não conseguia parar. Acho que o homem das redes ficou com um pouco de dó.


São coisas que agente fala e só depois se dá conta, normalmente por distração, e que nesses casos, não trazem a necessidade de retratação. Falar sem pensar só é engraçado nesses casos, uma vez ouvi que é como atirar sem apontar.
Quando digo algo que diz respeito a mim, a sentimentos, meço muito bem, e respondo por tudo o que digo. Falar é atitude. E tem algo maior por trás, a intenção. Depois disso, a palavra, o beijo, o soco, o choro, são secundários. Não quer dizer que de vez em quando a porca não torça o rabo e eu me arrependa de alguma coisa que disse. Mas caminho e faço por onde para que minha mão só venha de encontro à minha testa por algum “obrigada” fora de hora, e não por algo que possa magoar ou ficar ecoando minha cabeça, até porque, nunca sei muito bem como voltar atrás, o que aliás, também não tem nada a ver.





segunda-feira, 7 de dezembro de 2009

Quando sobe o letreiro



A imagem é embaçada, como se houvesse um nevoeiro. Vou entrando por uma casa e gargalhadas são ouvidas de lá. Parada na porta o que vejo é dantesco: Uma sacanagem deslavada. E não há nada de erótico nisso. Uma suruba interminável, homens e mulheres formando uma grande macarronada humana. As pessoas usam máscaras, algumas com cabeças de bichos. São bisões, águias, cachorros e até galinhas. Penso em ir embora, mas sou sórdida e quero olhar mais um minutinho. Começo a gostar. Um pouquinho. A sensação é estranha: Algo meio nojento, mas que incita curiosidades e instintos mais recônditos. Como achar legal quando se aperta uma espinha e ela voa no espelho.
Cena seguinte: Estou numa arena. No centro, um homem em pé sob um tronco de árvore cortado. Uma multidão circunda esse homem baixinho e careca. Alguma coisa pega fogo por ali. O homem não tem o dom da oratória e eu vou dando as coordenadas afim de que ele subjugue a multidão. Falo coisas no ouvido dele, digo que ele tem que mostrar quem ele é, que ele devia dar uma lição naquelas pessoas. Ele se empolga, e eu trato de baixar a bola dele, digo que só comigo ele não pode, que a cara dele é se crescer pra cima de quem deixa e que por mim ele seria sempre dominado. Seria meu capacho, empregado, escravo, nada. Minha sordidez novamente se revela. Acordei atordoada. Em uma única noite fui voyeur de suruba e gerente geral do inferno.
Tenho visto muitas coisas, tantas realidades, tantas pessoas. A impressão que eu tenho é que vivi muitos meses só neste último. E não só isso, tenho vivido muitas horas dentro de uma, dias dentro de um. Isso tem me deixado à flor da pele (o que será que será), e tem uma razão de ser. É a minha vida de jornalista estimulando minha cabeça e me fazendo olhar de outra maneira pras coisas que me cercam. E isso é só positivo. Deixa de ser quando eu não consigo me desligar das muitas formas que vejo durante o meu dia e me afasto do que me mantém no lugar, no meu eixo. Quando eu vejo uma coisa que enche de cor o meu dia e outra que faria o diabo se arrepiar, e, antes de dormir, a segunda é que fica mais forte na minha cabeça. Tudo passa por mim quando o sono ousa se aproximar. Tento me concentrar, lembro de uma fita de relaxamento que eu tinha, tento rezar, tudo me dispersa.
Descobri que do alto dos meus quase 1.80m de altura, eu acordo com medo quando sonho que mando no capeta, e que, nessas horas, e em todas as outras, um abraço ameniza meus tormentos. Em meio ao turbilhão de informações a que venho sendo submetida, está muito bem guardado o que eu acredito, prova disso é que, observando a mega suruba do meu sonho eu pensei “que falta de romantismo”... Está guardado.

segunda-feira, 14 de setembro de 2009

Janelas sempre abertas


- “Vive sua vida, faz a sua e não fica é... é....é... reparando nos outros, ta ligado?? Sumeeeeemo!!!”
Sabedoria... Não muito distante dali...Na praia do Sono, o seu Antônio, morando numa casinha de pau a pique, sabe o melhor vento pra jogar a rede no mar, que a água tem que estar fervendo bastante pra coar café no velho coador de pano e que a filha dele engravidou porque trepou. Um dia eu cantava uma música do Raul pro Seu Antônio, ele gostou e pediu pra ouvir outras enquanto escolhia feijão, coisa que, também, ninguém ensinou. Ele se ateve a uma frase que dizia “Pra ser feliz é olhar, as coisas como elas são, sem permitir da gente uma falsa conclusão!” Falou que concordava com o Raul e sobre a importância de ter os pés no chão e de cuidar da minha vida, discordou quando eu disse que às vezes me sentia egoísta quando pensava assim e debochou dizendo que era engraçado como eu não entendia nada. De como eu era capaz de discorrer sobre história, política, mas que não entendia nada sobre egoísmo. Em outras palavras, outro tempo, e num dialeto bem parecido com o de Fabiano, em Vidas Secas, de Graciliano Ramos, ele me dizia: “Vive sua vida, faz a sua e não fica é... é... é... reparando nos outros, tá ligada? Sumeeeemo!!”
Tenho sonhado muito que estou sem roupa, me trocando na frente de obras, tomando banho com mais um monte de gente. Uma vez li num livro de significados de sonhos (nem só de Graciliano Ramos vive uma mulher) que isso reflete o sentimento de exposição. Paguei R$ 140 mangos e coloquei insulfilm no carro. Mas nem com todo dinheiro do mundo eu conseguiria colocar insulfilm nos meus pensamentos, no meu coração. Não sei esconder, fazer joguinho, e nem quero, não entro nessa. Eu queria falar pro Seu Antônio que hoje eu entendo o que ele me dizia, que ouvi a mesma coisa em palavras mais simples e num momento mais oportuno. E que nas minhas orações, desejo bom senso a quem se dedica a observar, confabular e cobiçar a vida que não é sua. Todo mundo tem em si uma coisa que não é infinita, é energia, há um estoque disso. Um dia acaba. Quem desperdiça energia com questões que não são suas, ou mesmo com questões que ficaram no passado, ou estão no futuro, pode se ver escasso de energia para quando essa realmente se fizer necessária.
Na mesma Praia do Sono, conheci um maluco que muito me intrigava, um sujeito jovem, porém cheio de estórias, gostava de conversar com ele. Um dia ele acordou e falou que ia embora, que era bicho solto, e que cairia na BR outra vez. Eu me emocionei porque criei afeição por ele. Comprei bolinho de aipim para sua viagem. Ele chorou e contou que há muito não chorava. Falou pra eu não me enganar com tipos como ele. Que era pura casca, para pouco o que guardar. Achei triste alguém fazer essa idéia de si mesmo, mas ele continuou, disse que eu era o contrário. Muito o que guardar e nenhuma casca. Nunca mais o vi. Queria dizer a ele que continuo pela vida assim. Que não pretendo mudar ainda que isso me custe algum engano e que tenho casca sim. Uma fica no pé, logo abaixo do dedo mindinho, a outra fica no coração, se chama amor, ilumina meu caminho, me protege, e esse sim, é infinito. Sumeeeemo!!!

terça-feira, 1 de setembro de 2009

Eu acho é pouco




Olha essa tua situação de agora,
esse contexto em que tu está inserido agora,
olha esse mundo a tua volta agora
HOJE é um bom dia pra se revoltar.
De todos os dias do continuum,
HOJE é o melhor dia para se revoltar,
o DIA FUNDAMENTAL da sua revolta.
Lance um ou mil atos de concussão
nesse monólito de palhaçadas que te cerca,
fogo nesse circo AGORA.

segunda-feira, 24 de agosto de 2009

Um dia iluminado


Hoje é um dia iluminado
não de luz elétrica
e mesmo se o céu é nublado
brilham os olhos que se olham
claros
evidentes
permanentes
a dois passos da vida
fora do corte da ferida
se range os dentes como alívio
vê as ruas um dilúvio
bater as portas
não é assim que se comporta
peço
não prometo
esqueço
não esqueço
hoje não tem data
hora marcada nem exata
não tem compromisso
e a vida é toda isso
com promisso
compro isso
se tivesse grana
mas não tenho gana
a vida se vive
uma vida eu tive
tenho
terei
viverei sabendo que tudo da vida
aproveitarei
acendo vela
olho pela janela
tantos que sabem e não sabem
vivem dentro da mesma panela
um dia
terei forças para mudar tudo
intensionada
farei o mundo
ficar mudado
andarei contigo, meu amor, de braços dados
porque hoje...É um dia iluminado.

quarta-feira, 5 de agosto de 2009

Legião da Má Vontade



Olá, você ligou para Legião da Má Vontade. Para insultar alguém, tecle 1; Para ser insultado, tecle 2; Para uma boa peleja, tecle 3.
Piiii
Você teclou 1, deseja insultar alguém, aguarde um de nossos atendentes.
- Emerson falando. Boa noite.
- Boa noite o cacete.
- Ok senhor. Do que estamos falando? Canalhice, corneação, dinheiro emprestado e não pago, zica generalizada?
- Corneação.
- Ok senhor, anote o número de seu protocolo. 7171. Quer xingar alguém ou a mim mesmo?
- Primeiro minha mulher.
- Estou ouvindo.
- Aquela filha da puta não tinha nem os dentes quando chegou aqui. Paguei tudo! Silicone, lipo, depilação definitiva. Depois peguei ela com o jagunço do motorista.
- Era negão senhor?
- Sim, como sabe?
- Imaginei. Continue.
- Agora a desgraçada quer pensão, metade de tudo. É ou não é uma vaca?
- Sim, é uma vaca senhor. Uma pervertida. Sacana, imoral. Mais alguma coisa senhor, deseja me xingar um pouco?
- Não sei...
- Fique à vontade, estamos aqui pra isso.
- Hummm... Babaca.
- Legião da Má vontade agradece a sua ligação. Tenha uma boa noite.


- Piiiiii
- Você teclou número 2, deseja ser insultado, aguarde um de nossos atendentes.
- Ellen falando, em posso ajudar filho da puta?
- Bom, eu tenho um cargo público, andei mais sujo que pau de galinheiro, mas disse por aí que não tenho nada a ver com isso.
- Já sei, é político né, escroto?
- Pois é, empreguei minha família, desviei grana pública para a associação gerida por meus parentes, agora querem que eu me afaste do cargo.
- Entendi seu puto, e estou te reconhecendo. Você fez atos secretos?
- Sim e demiti muita gente que só soube mais tarde. Eu tinha um motorista contratado por oito mil reais. Sou um canalha.
- Mais que isso você é cara de pau, dissimulado, um sem vergonha.
- Isso, continue, por favor.
- E tem mais, teu bigode é péssimo e já saiu de moda há muito tempo. A puta da sua mulher nunca disse que é nojenta essa buceta embaixo do seu nariz?
- Não.
- E a puta da sua mãe?
- Também não.
- Então eu te digo. Você é mau caráter, constrange o senado, o País, é feio e deve ser brocha.
- Obrigado Ellen. Acho que por hoje é só. Mas fiquei nervoso, gostaria de xingar um pouco também, toda essa pressão me deixa estressado.
- Tudo bem, mas o senhor precisa ligar de novo e apertar o número três.


Piiiii
- Você teclou 3, deseja uma boa peleja, aguarde um de nossos atendentes.
- Kátia boa noite, e aí cabaço?
- Estava falando com a Ellen.
- Pau no seu cu, agora fala comigo otário.
- É.... eerrr... Estou um pouco constrangido em pelejar com uma mulher.
- Vai chorar, cuzão?
- Aí também não, eu sou cabra macho do Maranhão minha filha, você não tá ligada, mando te matar.
- Vê aí o que você pode fazer trouxa.
- Sou dono do Maranhão inteiro.
- Pau no seu cu.
- Sua proletária, fica aí nessa vidinha honesta atendendo telefone o dia todo, babaca.
- Vai por inferno.
- Eu vou mesmo, o capeta é meu aliado.
- Fala pra ele comer sua bunda então.
- É... é... é... sua puta.
- Mais alguma coisa senhor?
- Não, só isso, to super aliviado, muito obrigado Kátia.
- Legião da Má vontade agradece a sua ligação. Tenha uma boa noite.

quinta-feira, 30 de julho de 2009

A namorada do Zé


Tom Zé, desolado

- Olá, muito lindas as suas fotos, tenho uma queda por branquinhas.
Respiro um pouco... Continuo:
- Eu sei que você mora longe, mas quem sabe não marcamos um encontro.
Cruzo os dedos, fico me gabando, acho que mandei bem.
- Sou super alto astral, carinhoso e serelepe, tenho olhos de jabuticaba.
Desculpa Tom Zé, agora dei uma exagerada.
Ao meu lado, Tom Zé, o boxer mais gostoso do mundo, abana o rabo e mal imagina que estou xavecando cachorras pelo Orkut na esperança que alguém se interesse em ajudá-lo a perder a virgindade. Acho isso um pouco triste. Mas estou empenhada. Não me sinto muito bem jogando conversa em outras fêmeas. Como algumas pessoas por aí, adotei um procedimento padrão: Adiciono, depois elogio as fotos, começo perguntar onde mora. Acho uma pena que não exista um lado subversivo do boborkut para os cachorros. Cachorras vadias com fotos mostrando o rabo ou as oito tetas. Cachorros com o batom pra fora. Seria tudo mais fácil. Mas não, as cachorras do Orkut são de família e eu tenho que ficar dando a maior migué pra arrumar uma namoradinha pro Zé.
Teve uma que eu quase me apaixonei. Trocamos muitos recados. Ela escrevia depoimentos com frases feitas e eu abraçava o Tom Zé na esperança de que finalmente ele havia encontrado uma parceirona para sexo casual e até quem sabe, futuro compromisso. Era boxer branquinha como ele, eu já imaginava os filhotes e me sentia meio boba por estar tão empolgada. Ele continuava ao meu lado, lambendo latas de sardinha, distraído a todas as bobagens alheias ao instinto.
Até que um dia ela apareceu namorando. E na página dela, muitos recados de outro cachorro. Fui tomada por uma raiva, uma dor de corno que não sabia explicar. Chamei o Zé: “Olha Tom Zé! Que vagabunda!” Ele abanava o rabo. “Não Zé, você acaba de sofrer sua primeira desilusão amorosa, entristeça-se!”. Na verdade quem tava inconformada era eu. Meu xaveco não funcionou. Coloquei Lupicínio Rodrigues pra rolar no som e abracei o Tom Zé. Pobre cão, nem uma cachaça pode tomar.
Agora fiquei menos seletiva. Por enquanto o contato mais íntimo dele foi com a veterinária. Sem o menor pudor, ela foi realizando o que seria o sonho de todo garoto virgem. Ele só se estrepou quando ela apareceu com um baita termômetro numas de medir temperatura.
É.... São os prós e contras da vida. Seja ela humana ou canina.

segunda-feira, 27 de julho de 2009

Quem não rima aplaude o adversário


“...Drão! Os meninos são todos sãos,
Os pecados são todos meus
Deus sabe a minha confissão
Não há o que perdoar
Por isso mesmo é que há de haver mais compaixão...”

Nasci sob signo de capricórnio, com ascendente em áries, lua em touro, e pra quem prefere o calendário maia, meu Kim é Vento Cósmico Branco. A partir daí os aficcionados por pré- concepções já têm um prato cheio. Mas acho que às 11h50 do dia 26 de dezembro de 1982 outro fator foi mais forte na influência do que seria o começo da minha caminhada: O som que rolava no velho toca fita que meu pai levou pra entreter minha mãe. Era Drão, do Gil. Entre muitas coisas ditas no som e que me identifico muito, “não há o que perdoar” é a que mais me diz respeito. Se tem uma coisa que eu não gosto é pedir desculpas. Minha redenção (no sentido de se remidir e não religioso) se dá de outras maneiras.Também não gosto que me peçam. Dá um pouco de raiva e vergonha alheia. Todas as vezes que achei que deveria me desculpar - sim, porque o fato de eu não gostar de pedir desculpa não significa que eu não erro e muito (mesmo tentando evitar, de coração)- procurei mostrar com atitudes o meu gosto ou desgosto pelas coisas. O papo é outro e quem fica atento reconhece e troca, quem não reconhece fica achando que ficou algo por dizer. Mas não há. E nem vai ter. Sendo assim, quando reavalio as coisas, lembro com alegria algumas escolhas e lamento outras. Por outro lado, sei que tudo sempre aconteceu como deveria ser, porque eu sempre agi guiada pelo bem, pelo o que achava certo. E nunca me fiz de rogada diante do que acredito. Não acho que tudo vai dar sempre certo assim, apenas ajo com a verdade em relação às coisas que permeiam a minha vida. E a minha parte é essa.
Assim é pra qualquer âmbito: Trampo, amor, família, amigos. Não à toa, quando penso nas pessoas que passam pela minha vida, não tenho dúvidas de que faço, ou pelo menos tento, fazer o melhor em todas as situações, isso enche meu coração de amor e me faz olhar sempre adiante. Porque a porta da frente sempre será a minha saída.

segunda-feira, 29 de junho de 2009

Tempo rei


Dia desses eu falava sobre minha avó Dulce. As peripécias da espanhola ainda me parecem muito engraçadas e sou capaz de sentir o cheiro do inhoque de batata que eu gostava de comer cru. Também lembro meio chateada, do dia que ela desceu a chinela em mim por conta de um desenho feito na parede recém- pintada. Mal sabe ela, que frustrou minha carreira artística ali. Ou outra vez, que ela me incentivou a dar um cacete na minha prima maior que eu, que havia me dado um anteriormente. Poxa, não era da minha natureza, eu não me senti bem, mas ganhei um torrone pelo feito. Ela me deixava comer bolotas de açúcar. E fumar o cigarro dela. Só que eu tinha sete anos.
Aos meus oito anos ela cansou. A saudade que eu tenho dela é como se fosse uma coisa recente, é como se na semana passada eu tivesse estado com ela, ou uma hora atrás, ou, quem sabe, agora mesmo, esperando ela acabar de fazer o bolo de cenoura pra poder raspar o tacho. Não parece que já faz 18 anos que não a vejo. Certas coisas são atemporais. Sentimentos não fazem acordo com o calendário. São independentes dele e sabem mostrar como são. É como quando encontramos um amigo verdadeiro que nunca vemos. A conversa é igualzinha, o mesmo amor, a mesma confiança. O coração não conta, nesse caso, o tempo que as pessoas passam sem se ver.
Existe um tempo que não é contabilizado em horas, dias, não tem o batismo dos dias da semana, não acontece só em ano bissexto. Quem controla esse tempo é o coração, e só ele. Por outro lado, algumas coisas muito recentes do ponto de vista cronológico, parecem muito distantes. Isso porque o coração se distanciou antes que você pudesse se dar conta. Aí alguém que não está mais ao lado há 18 anos, parece mais próximo do que algo que estava aqui agorinha mesmo. Nem esfriou o sofá. Não é contraditório, é a realidade que se firma acima das coisas que usamos para contar o tempo: Nossa idade, o prazo pra deixar de ser estagiário e ser efetivado, pra ficar noivo e casar, entre outras churumelas. Não há tempo mais importante que o tempo do coração, nem nada que conte mais quando se trata de pessoas. Porque mesmo uma pessoa racional deve saber, que com gente, tratamos com o coração. Ficar contando dias, prazos, e isso ser prioridade, é pra negócios. Para matérias a serem entregues, TCC, horário de busão, gente não. Não se mede amor pelo tempo. Nem pelo tempo em que ele não faz parte do seu dia a dia e muito menos por quando passou a fazer.

Ps: Foto de Pablo Nabarrete. Pôr do sol em Boiçucanga. Visto há pelo menos 22 anos. Sempre como se fosse primeira vez.

domingo, 14 de junho de 2009

Pé no chão. Braços abertos.


Tem gente que dá muito valor para as certezas. Certeza de um trampo seguro, da fidelidade do maluco que dorme do seu lado, certeza de como o dia será amanhã. A necessidade de ter certeza nas coisas pode ser um grande impedimento em vivê-las por inteiro. Na hora que elas acontecem. Porque a hora de acontecer nada mais é do que a hora que seu coração te diz que é ali mesmo que você deveria estar naquele momento. E pra isso não tem hora, grande acontecimento, não é daqui dois aniversários, pode ser agora mesmo se assim disser teu coração.
Ser flexível ao que não era esperado é questão de treino, mudanças assustam e é difícil sair da zona confortável. Sim, porque mesmo uma rotina cheia de pequenas frustrações uma hora acostuma. E aí quando temos chance de fazer diferente ficamos com aquela sensação de criança no parquinho, antes de entrar no túnel fantasma, vontade de sair gritando, incapaz de imaginar o que espera lá dentro. Mas a outra possibilidade é aceitar. Aceitar as oportunidades que a vida oferece, aceitar o que nos é posto no caminho. Abraçar. Entrar no carrinho do trem e dar risada quando o monstrengo com cara do Serra aparecer. Lembrar que o carrinho, assim como tempo, não pára. E as coisas independem da sua bundamolice para acontecer, o carrinho continuará nos trilhos se você não entrar, e amanhã o cara da feira vai embrulhar um peixe no jornal, a velhinha vai jogar um punhadinho de milho pras pombas. Será um bom dia pra um monte de gente, e um mal dia para outro tanto. Você escolhe como estar em meio a todo esse movimento. Se será omisso, arrumará álibis pra tudo que não acontece como se contava, ou se vai abrir os braços e aceitar com zelo o que é teu por merecimento.


Ps: Foto de Gustavo, meu amigo Sudão. Em Paranapiacaba. A neblina não nos deixava ver muito adiante (estou há uns 4 metros dele) mas nós não paramos de andar. Como deve ser.



terça-feira, 2 de junho de 2009

Eu, eu mesmo, meu umbigo e meu olho vesgo


Poucos momentos nos deixam tão frente ao que somos quanto alguns simples em que estamos sozinhos. Há quem goste de se deparar assim e há quem se incomode com tantas constatações. Faço parte do primeiro grupo. Fico muito à vontade, sou muito confortável com o que sou. E não acho, por isso, que não tenho um milhão de coisas a melhorar em mim, não tem nada a ver o cú com as calças. Eu amo estar em companhia, sou louca pelos meus amigos, minha família, meu cachorro bafudo. Mas ficar sozinha também é uma delícia. E necessário. Seja pra ler um livro, andar no seu ritmo, enfiar o dedo no nariz.
Neste momento, conversava com um grande amigo pelo MSN, falei que estava entretida, escrevendo um texto sobre o prazer da solidão, sobre o gostoso de estar sozinha (não SER, mas ESTAR). E ele teve um insight, um pensamento profundo:

*Eduardo* ॐDu diz:
isso vai depender muito do motivo da solidão... se for bom vai ser bom se for ruim, péssimo
Marina Bastos diz:
é o que vc tem a dizer sobre o assunto?
*Eduardo* ॐDu diz:
a solidão traz inspiração quando me sinto seguro...
*Eduardo* ॐDu diz:
ela é para os fortes


Semana passada fui ao cinema com uma amiga. Fomos assistir ao filme sobre a vida do Wilson Simonal. Era quinta feira e eu havia encarado a dupla trólebus e metrô para ir pra Sampa. Chuviscava e eu ouvia Louis Armstrong no MP3 (continuo não tendo um ipod. Vê se pode). Depois do filme minha amiga foi embora com pressa e eu havia calculado mal o tempo, já que me encontraria com outra amiga que só chegaria uma hora e meia depois. Fiquei sozinha. Por um momento entrei em pânico. Estava sem crédito no celular e nem poderia importunar meus amigos. Dez da noite. Comecei a subir a Frei Caneca. Coloquei os fones, estava rolando Samba de Verão. Coloquei no volume máximo, danei cantarolar “Você viu só que amor, nunca vi coisa assim, e passou, nem parou, mas olhou só pra mim”... Uma hora o som falhou e eu percebi que estava gritando. O bom é que ali nada espanta muito. Fiz a volta na Paulista e comecei a descer a Augusta, só havia passado alguns minutos. Lembrei da sensação da esteira na academia. Sendo assim, parei num boteco. Pedi uma cerveja e sentei no balcão. Paquerei uma coxinha. Um guarda noturno me paquerou enquanto virava um copo de stanheguer. Hoje é meu dia, pensei. Pedi uma Brahma. “Dois copos?”, olhei pro lado “Só um”, respondi. O bar era meio fedido, tinha um esgoto do lado de fora que alguém com muito senso estético cobriu com um carpete colorido e encardido. Procurava não olhar muito para as pessoas. Pra não caçar assunto. Uma mulher sozinha sempre parece estar afim de companhia. Ali mesmo havia vários caras sozinhos, eles olhavam meio solidários. Acabou minha cerveja. Liguei a cobrar para dois amigos. Pedi outra cerveja. Lembrei da minissérie da Maísa, ela cantando “Meu mundo caiiiiuuu”, com um copo na mão. Fiquei com um pouco de pena de mim. E isso me pareceu muito engraçado. Comecei a rir e foi ficando constrangedor, mas esse é o tipo de pensamento que se você conta pra alguém não tem a menor graça. Ri até o olho lacrimejar. Aí aconteceu uma coisa doida: Uma coisa minha. Quando eu dou muita risada tem vez que eu choro na sequência. E foi isso que aconteceu. As pessoas do balcão esboçavam um risinho para acompanhar o meu, e a cara delas simplesmente se transformou quando perceberam que eu tava chorandinho. Tudo bem... Passou, passou, me recompus, refiz o rabo de cavalo, ajeitei a blusinha. O cara do bar se aproximou, viu que minha garrafa já estava no fim e trouxe outra sem eu pedir. Deixei, vai. Ele começou a contar uma piada tosca pro cara do meu lado, de gaúcho. Percebeu que prestava atenção e contou pra mim também. Resolvi contar uma boa pra eles. Ficamos rindo. Minha amiga chegou e desacreditou, ela tinha ido voando porque eu estava sozinha e quando chegou eu estava contando piada e me acabando de rir. Ela falou que o bar era feio e fedia muito, que tava insuportável. Engraçado.... Eu já nem percebia!


Ps: Foto de Marina Xavier. Uma companhia maravilhosa. Até pra ficar sozinha.

terça-feira, 26 de maio de 2009

Amor de correio



O relógio já anunciava dez da noite naquele domingo e Cássio começava despedir-se de Lucília, dedicada estudante de enfermagem. A cena se repetia há sete anos. Quatro de namoro, três de noivado. Um beijo na testa, depois, um cada mão, para terminar, na boca. Mas sem língua porque o pai dela ficava esperando. Já na rua, buzinava com a moto que conseguiu comprar a uma porrada de prestações, graças ao trabalho no correio.
Voando baixo pelos corredores de automóveis, um pensamento lhe ocorreu: Amanhã seria segunda. Com certeza aquela menina apareceria para enviar uma carta. Há algumas semanas ela ia todas as segundas ao correio. Por um momento o tédio dominical foi embora e seu peito encheu-se de euforia. Só não entendia por que. Ela havia de ter no máximo uns 25 anos, era um pouco mal arrumada e tinha os cabelos lisos naturais sempre presos. Era tudo o que ele sabia sobre a menina. A não ser, é claro, que seu nome era Melissa, e que mantinha, com devoção, o hábito de enviar uma carta por semana a alguém chamado Gustavo, na Inglaterra.

Lá pelo meio dia, já sonhando com a quentinha que estava em banho-maria, Cássio viu o ônibus sair devagar do ponto e lá estava a moça, sozinha, procurando algo na bolsa. Perdeu a fome, carimbou o dedo, tirou os óculos. A menina achou um frasco de perfume, borrifou na carta, atravessou a rua e entrou na fila. O ambiente foi tomado por um cheiro doce e, com apenas duas pessoas na frente, ela conferia colocando a carta próxima ao nariz. Cássio teve uma vontade quase infantil de colocar a boca na carta, onde provavelmente ela teria encostado a dela. Chegou sua vez. Ele sorriu:
- Pra Inglaterra, de novo?
A falta de reciprocidade no sorriso o constrangeu. Fingiu que colocou a carta na pequena urna, mas deixou ao lado. A menina pagou e saiu. Cássio não conseguia pensar direito o resto do expediente, ficava indagado sobre a quantidade de desejos e idéias que aquela desconhecida lhe causava. Tinha vontade de tocar a mão dela ao pegar o dinheiro, ficava olhando sua boca e demorando pra fazer tudo. O toque no seu mindinho lhe era mais prazeroso do que todas as noites que conseguiu fugir com Lucília para o motel.
No fim do dia, pegou a carta, sentiu o cheiro e imaginou aquela menina, virou e leu de novo “Gustavo”... “Filho da puta de sorte”, “Quem será?”. Olhou o envelope contra a luz e pôde ver corações. Encheu-se de encanto. Ela havia de ser mesmo muito especial. Quem, em tempos de msn, sms e outras siglas mais, se prontificaria a escrever uma carta, colar corações, manchar com perfume as letras escritas à mão e ainda enviar uma diferente a cada semana?

No próximo domingo, lá estava na casa da noiva, sob o olhar atento do sogro, perguntou a ela se ele fosse pra fora do País, por qualquer motivo que fosse, se lhe escreveria cartas. Foi quando ela teve a brochante resposta:
- Ah Cássio, ir pra fora do País, com o que você ganha? Mais fácil eu mandar cartas se você for pra cadeia.
Aquele dia foi embora 21h30. Mal podia esperar a segunda feira para sentir de novo aquele cheiro doce e achava-se ridículo pelo ciúme que lhe acometia cada vez que pensava em quem seria o destinatário das cartas. Poderia ser um irmão, um primo, um soldado na família, sei lá... Consolava-se.
Segunda-feira a rotina se cumpria, mas dessa vez resolveu ousar. Tirou a aliança da mão direita, e se encheu de coragem quando chegou a vez dela. Gaguejou:
- Oi, você de novo.
- Carta prioritária, por favor. O prazo é de sete a 12 dias úteis para chegar, não é?
- Tem pressa? (pegando o dinheiro e encostando a mão suada nas costas da mão dela)
- Obrigada. Bom dia.

“ Ah que mulher”, pensou enquanto enfiava a carta debaixo da camiseta. Fim de expediente. Ficou sozinho no correio com a desculpa de pesquisar umas coisas na internet. Fez outro envelope com os dados contidos naquele de cheiro tão bom e abriu, afoito por confirmar suas fantasias. Nas palavras, um amor paciente e tranqüilo. E muito, muito real. Ela o esperaria por um ano, para que ele estudasse e trabalhasse na gringa.
Imaginou que o tal cara lá da puta que pariu poderia beijar aquela boca rosinha a hora que quisesse, poderia ter seu corpo, e sentir aquele cheiro. E devia gostar de ser alvo de todo aquele amor. Quanta injustiça. O cara devia enganá-la enquanto ela ficava aqui sozinha. Sim, porque ela não tinha cara de dadeira igual às minas da vila dele. E toda mulher tem sua vida sexual estampada na cara, achava ele.

Com a carta nas mãos, tremia e pensava alto. Foi quando seu chefe entrou de repente, estava lá para garantir a saída de Cássio, achou perigoso o funcionário ficar só. O pobre rapaz tentou disfarçar, se enrolou, tentou esconder a carta, mas não funcionou. Demitido. Sem grana e sem perspectiva, Lúcília deu-lhe um pé na bunda com o apoio do pai. Cássio se lembrou de quando era moleque e fazia uns graffitis. Chamado de vagabundo diariamente pela mãe, passava as tardes às voltas com sprays, rolinhos, estêncil e muitas cores.
Sua inspiração vinha sempre de Melissa, de sua devoção, as cartas partindo em navios e aviões, sua boca rosinha. Ficou famoso na vila, na cidade, e logo o chamaram pra participar de um filme publicitário. Mandava muito bem e havia esquecido disso. Tinha que trabalhar, pra casar, fazer o quê. O filme seria gravado no exterior e ele gastou a última grana que tinha pra tirar passaporte. E lá foi ele, rumo à Inglaterra. Ficava olhando os caras nas ruas e imaginando que todos poderiam ser o tal Gustavo.
Fez o filme, emendou em outro trampo, precisou tirar um visto para mais tempo. Ligou pra mãe no Brasil, vendeu a motoca e por lá ficou. Longe dos Correios, da noiva, nunca mais viu Melissa, apesar de sonhar com ela quase todas as noites. Ele só queria poder agradecer a mudança que ela sem querer ocasionou em sua vida com suas cartinhas.

domingo, 24 de maio de 2009

Efeitos e recordações


Certa vez estive em Campo Grande e na casa que fiquei tinha um cachorro. O nome dele era Thor. Não sei de que raça ele era, mas era bem magrelo, peludo e alto. O Thor vivia abanando o rabo e querendo atenção, mas ninguém dava. Até aí nada muito incomum prum cachorro. A questão é que ele me causava dó. Não sei explicar, mas só de olhar pra ele me dava vontade de chorar. Sei que era feliz, tinha comida, espaço, e um dia pegou todas as minhas calcinhas do varal e espalhou pelo quintal e até pela rua. Não tive coragem de dar um safanão nele. Uma manhã estava indo pra TV (fui pra lá fazer um estágio), toda prontinha, e o Thor veio correndo e pulou com as patas de lama na minha camisa branca. E eu, acostumada com o Tom Zé (meu cachorro, um boxer parrudo), empurrei o coitado do Thor pra longe, ele voou. Caiu todo espatifado e não parou de abanar o rabo. Talvez fosse isso mesmo que ele queria, uma reação minha. Porque mesmo a minha fúria seria melhor que indiferença. Logo ele, um cachorro tão belo, de raça. Tinha muitas qualidades, era amestrado, sabia dar a patinha, deitar, e era muito bonito, muitíssimo bonito. Acho que ele ficava revoltado de ser assim tão foda e ninguém dar muita atenção. Por isso ele pegava minhas calcinhas, pulava na minha frente e ficou feliz quando o joguei pra longe. Acho que ele se machucou, mas gostou da dor. Alguém o havia pegado de jeito pela primeira vez, nem que fosse pra jogá-lo contra a parede. Acho que ficou satisfeito.
Todo mundo foi viajar e eu fiquei sozinha com o Thor. Dava comida pra ele e expulsava-o dos cantos da casa onde ele não podia entrar, ele não gostava de limites. E me dava muita dó. Não sei por que, mas vendo-o pela janela sozinho, cheirando as coisas, indo atrás de qualquer pessoa que lhe dava o mínimo de atenção me causava muita pena mesmo. Durante essa viagem rolou uma das noites mais bonitas que eu já vi. Eu cheguei tarde em casa, e o Thor estava lá, olhando a lua. Sentei na varanda e resolvi lhe fazer companhia, ele estava calmo, menos afoito. Não pulou, não fez estardalhaço, nem exigiu minha atenção. E por isso mesmo eu tive vontade de ficar perto dele. Fiz carinho na barriguinha, tirei pulguinha... Ficamos ali contemplando a noite. Na verdade eu também me sentia sozinha. Nós aplacávamos ali, a solidão um do outro. E ele sabia ser uma boa companhia quando queria. Já de volta pra casa, lembrava sempre daquele cachorro, de como era deprimente vê-lo querendo chamar atenção, de como havia de ser injusto pra ele, que era tão bonito e engraçado. Soube que o Thor morreu, fiquei muito chateada, me bateu uma baita culpa pelo dia que o joguei pra longe. Mas lembrei também, da noite de lua que curti com ele. E acho que se ele ainda pudesse dizer alguma coisa, talvez ficasse um pouco ressentido do tombo que dei nele, mas é certo que admitiria que nunca houve um cafuné na barriga como o meu.




foto: Pablo Nabarrete.
A lua vista da janela do quarto dele, em São Bernardo. Linda e cheia, como naquela noite em Campo Grande...

sexta-feira, 15 de maio de 2009

Faz-me rir





Beijo me liga


- Parabéns pra nós dois. Tim tim.
- Ao que fomos, ao que somos ou ao que seremos?
- A tudo.
- Não, chega, desliga a merda dessa música.
- Por quê? É nossa música.
- Não tem mais nada de nosso aqui. Vai. Mas vai em silêncio. Pisa devagar, não faz estardalhaço. Não me acorde de novo à toa e nem finja sentir muito por isso.
- Mas eu sinto muito, de verdade, tá vendo, eu só queria brindar.
- Não atire em meus ouvidos palavras vãs para renunciar à sua participação no grande empurrão ao fundo de tudo.
- Não to querendo...
- Mas se prefere assim por mim também não faz diferença alguma, continue jogando o velho jogo dos perdedores, onde todos jogam, todos tem culpa e todos perdem no final. Cansei do seu jogo, e aceito perder de W.O, deixar a torcida atônita e não oferecer as próximas cenas patéticas desse circo de horrores pra quem já comprou a pipoca.
- Não é simples assim, você sabe, existem muitas mágoas.
- Fique você aí nessa arena. Fale sobre suas culpas e mágoas pra quem tiver tempo. Despeje sua raiva infanto-juvenil no ouvido de sua professora primária quando encontrá-la na rua e conseguir alcançá-la depois que ela fingir que não te viu.
- Vou sumir.
- Isso. Mude de calçada, de cidade, de planeta, mas faça em silêncio. Se hoje sou tomado por raiva, vai passar. Se hoje acordei com vontade de veneno, essa vontade vai passar. São sentimentos necessários, determinantes. O grande impulso em direção contrária ao ócio, ao lodo e a areia movediça em que me encontro. E não pretendo voltar a pisar aqui.
- E tudo o que passou?
- Olhando sempre adiante, sempre em frente, nunca para trás. Vou e vou mais forte.
- Ah você vai?
- Eu vou. Mas não consigo ir em silêncio.



domingo, 10 de maio de 2009

Desengano


Era uma menina que só se enganava. Não era por mal, e ela era sempre a última a perceber. Isso porque não fazia nada sem a obstinação de que era certo, ia de coração, não importa o que fosse. E se enganava. Um dia pegou o metrô, embarcou no Ana Rosa e ficou ali reparando no casal que se beijava com a marmita vazia no colo, na criança de Black no cabelo, na calça xadrez do moço que entrou... Estranhou quando ouviu que a próxima estação era Conceição. Estava do lado errado, queria ir pro Tucuruvi. Desceu afobada e foi pro lado certo. Sorriso amarelo, sabia que sempre se enganava. Mas se aceitava assim e não gostava quando as pessoas diziam que ela era enrolada, perdida. Ela se enganava e fazia isso de coração. Fim de tarde de outono e ela resolveu que ia pra praia, pegou a Anchieta, abriu a janela ao som de Cat Stevens e segurou o chapéu pra não voar. Mas as placas indicavam o Piraporinha e logo ela viu que se enganou de novo. Voltou e foi pro lado certo falando todos os palavrões que sabia e inventando mais alguns, mas depois riu porque ela era assim mesmo. E de manhã, o cinza predominou e não dava praia. Ela resolveu tomar um pingado, como fazia todas as manhãs. E estava feliz, porque até então era uma pessoa no meio da cozinha, depois de uma noite muito bem dormida, ainda de pijama, uma revista de moda na mão e um pingado na outra. Ela ficava feliz com essas coisas. Mas bastou o primeiro gole para o sal inundar sua boca e ela perceber que confundiu os potes e salgou o matinal. A outra metade do gole saiu pelo nariz. E ela seguia assim, feliz antes do engano. Enquanto acreditava estar no caminho certo, que seria agradável o sabor das coisas, estava bem e era isso que importava. Ela não gostava das críticas e preferia acreditar no seu coração. Mesmo quando se enganava. E como se enganava.... A menina.
ps, na foto: cena típica. Parada no trânsito, perdida e sem gasolina.

sábado, 9 de maio de 2009

Heranças





Há 30 anos, não muito longe daqui, no bairro do Bexiga, uma morena muito gata iria prum boteco afogar as mágoas do fim de um namoro de oito anos com mais duas amigas. No bar havia um cabeludo mundrungo, com cara de quem voltou a pé do Woodstock. Só que o cara era bom de papo. E pensava alto, o que era melhor. Quando as moças resolveram ir embora, ele puxou a mais bonita pelo braço, pediu o telefone. No dia seguinte ele ligou e marcou um encontro. Ela tinha perdido a prática de encontros, pintou as unhas de laranja. A primeira frase que ele disse foi:
- Que esmalte horroroso.
A segunda não deu tempo porque ele tascou um beijão na boca dela. Depois de seis meses eles se casaram. Ele morava no Rio de Janeiro e veio pra cá. Compraram uma Brasília, um projetor e eram felizes vendo slides, ouvindo Chico Buarque, bebendo vinho bom quando dava e vagabundo quando não dava.
Dessa união surgimos eu e meu irmão, Pablo. Fomos crianças muito criativas e unidas. A morena gata e o hippie ficaram juntos por 17 anos. No dia do casamento fizeram um bolão, aquele que chutou mais alto, apostou que o casório duraria seis meses. Como dizer que não deu certo? Se durante esses 17 anos, nunca vi um desrespeito por parte dos dois, se eles se separaram, mas todos os Natais passamos juntos, com os namorados deles, e quem mais for querido para nós e tiver afim de festa.
Quando eu estava pra nascer, meu pai apareceu com um radinho de pilha e colocou um som pra minha mãe se distrair. Era “Drão”, do Gilberto Gil, até hoje ela chora quando escuta, considera “a nossa música”. A letra fala sobre a transformação de um amor, não no fim, como precipitadamente interpretamos a palavra “separação”. Meu pai e minha mãe comprovaram que o amor se transforma. O tempo inteiro. Só acaba se a gente faz dele indiferença, rancor, mas ainda assim se transforma. E acho que essa foi umas das lições mais importantes que a minha mãe me ensinou. Tudo bem que ela também me ensinou muitas músicas de palavrão, como quando começava a musiquinha do Fantástico e ela cantava gargalhando, no mesmo ritmo:
- É fantástico! Caralho de plástico! Boceta de elástico! É o cu da vida!
E para o dia das mães, armaremos um churrasco da pesada aqui em casa. Do jeito que ela gosta: Com caipirinha, violão, e banana com sorvete de sobremesa. Meu pai também vem. Nós vamos celebrar mais uma vez as transformações da vida.




quinta-feira, 16 de abril de 2009

Linha da vida


- É... A sua linha da vida é super fraquinha e curta. Isso significa que sua saúde pode ser frágil ou então que você vai morrer cedo mesmo.
Fecho a mão rapidinho e a seguro com a outra. Mas que grande filho da puta esse meu amigo. Ele falou que sabia tudo de quiromancia (ler as mãos). Até então eu estava gostando, achei até que tinha a ver. Falou que eu era muita racional (tinha uma tal de linha da consciência que é super retinha); que eu teria poucos amores; que teria duas profissões simultâneas (até aí todo mundo sabe que eu sou jornalista e queria ser roteirista. Mas também posso fazer docinhos para fora); Até que me veio com esse papo que ia morrer cedo. Mal sabia ele que essa era uma nóia recorrente. Por várias vezes eu achei que poderia sentir a iminência da minha morte, como se ali, na próxima esquina ela me esperasse.
Não consigo me imaginar velhinha, com netos, cabelo roxo, cheirinho de pancake. Eu paro de imaginar depois de uns 40 anos, sei lá por que! E toda vez que fico sabendo que alguém morreu, fico pensando se em algum momento essa pessoa imaginou que isso aconteceria, se colocou uma cueca apropriada, se a meia não estava furada, se teve algum sonho alarmante no dia anterior... Eu tenho muito medo de não existir mais. De olhar aquele menino pelo retrovisor do carro na hora que eu vou embora e ser a última vez. E de causar um trauma na vida das pessoas. Dos meus amigos ficarem confabulando como foi a nossa última conversa e esse texto ir parar naquela comunidade de gente morta no Orkut.
Por outro lado, algumas coisas simples me fazem sentir tão viva que fariam valer a vida toda se ela findasse agorinha. Como quando estou dentro do carro e rola uma música que eu gosto... Aumento o som, abro a janela, e com o vento no rosto me identifico com a frase do Vinícius de Moraes que diz que “são demais os perigos dessa vida pra quem tem paixão”.
E se o picareta do meu amigo estiver certo e eu realmente morrer cedo? Com certeza eu preferiria acrescentar vida aos anos do que anos à vida. Eu poderia dizer que me diverti à beça, que sempre segui meu coração e procurei fazer o bem sem olhar a quem. E não é que teria valido a pena??
Por um lado é até bom não fazer tantos planos, então. Como vou saber se estou no meio, no começo ou no fim de tudo? Só posso dizer que torço para que meu passado seja curto diante do meu futuro, mas que por via das dúvidas todos os dias eu faço valer a pena.

sexta-feira, 10 de abril de 2009

Show me your blog spot!!




É isso aí gente boa... Hoje apresento o local onde escrevo para o Janelas de Marina. Como podem perceber, o cafofo é tão mundungo quanto eu. Mas é simpático e é aqui que eu vivo. Escrevo na sala, onde também ficam a TV, o telefone, meu cachorro e minha família usando coisas ilícitas. hahaha, mas eu sou feliz assim, como podem ver, e é aqui que eu escrevo. Não posto essas fotos à toa, a estória começou com as meninas do blog Two Way Monologue. Elas elegeram a Camila, do "Parece filme mas é vida mesmo" e ela me elegeu. Eu demorei mas coloquei as fotos porque considerei isso uma corrente do tipo "faça isso ou perca seu emprego e uma pomba cagará na sua cabeça hoje mesmo". O Tom Zé- cão vaca, está sempre por perto, ele me inspira e também gosta de cerveja, por isso a gente se dá bem. Achei bacana participar desse lance de mostrar onde você escreve pro blog, primeiro porque acho que é uma curiosidade geral, e outra porque eu sempre acompanho o blog da Camila e se ela quis que eu fizesse issó é sinal de que ela acompanha o meu também. Janelas de Marina só me traz alegria. Ah!! e agora preciso continuar a tal corrente né? Pois bem, aí vai como funciona e os escolhidos:
Show me your blog spot:

1. Uma vez escolhido poste uma foto da onde vc bloga;
2. Sinta-se à vontade para nos contar um pouco sobre o seu espaço, detalhar alguns itens. Ou não.
3. Coloque um link pro post original. Quero ver onde isso vai chegar!!
4. Escolha outro 5 blogueiros, que devem por sua vez, mostrarem os lugares onde eles blogam;
5. Se vc for escolhido e não participar...hummm... vc vai desenvolver uma estranha alergia a repolho. Serio!
Pra continuar eu escolhi os seguintes blogs:
- Bagunça funcional
- Pilotem suas cabeças
- Minhas falsas verdades
- As tolices de Yuri Braga
- Mendez contra Mendez
E quem mais quiser participar!!
Vamos lá macacada!! Escondam a bagunça no armário e mostrem onde escrevem!!


segunda-feira, 23 de março de 2009

Crônicas de um amor bobo


Tudo tem uma cronologia previsível para acontecer. Um dia você conhece alguém legal e passa a noite toda dando bons motivos praquela pessoa achar que encontrou o amor da vida dela. Ele ri de qualquer bobagem que você fala, acha seu cabelo bonito, suas unhas bem feitas e alguma graça no jeito que você dá risada. Tudo poderia permanecer nesse estado de intervalo entre o salto e o mergulho, mas não, as coisas mudam e tudo vira um jogo, onde ninguém quer dar o braço a torcer, demonstrar fraquezas. Ninguém conta que acordou no maior cagaço no meio da noite, com medo da pessoa querida morrer, depois de um pesadelo em que ela caía de um avião, empurrada por um palhaço. Aí um dia você cansa. Cansa de ficar dando bons motivos diariamente praquela pessoa acreditar em você, de se sentir uma monstra cada vez que não consegue ser uma pessoa melhor, mais sincera, menos orgulhosa, menos boca suja, menos bêbada, etc. Aí você se recolhe e segue pela vida com mestre Cartola ao fundo, dizendo que de cada amor tu herdarás só o cinismo. Crê que está fazendo a coisa certa, e lembra que a pessoa assoviava pelo nariz pra respirar, fazia barulho pra comer, tinha a meia furada e que você se livrou de uma. E como isso é cínico.
Até que um dia você conhece outra pessoa, ou reencontra a mesma, e começa tudinho de novo. Um eterno de javu, música no repeat, Gene Wilder estrelando “Dama de Vermelho” na sessão da tarde. Ou não. Ou você pode tentar o caminho da verdade. Uma grande pessoa me ensinou esse termo, que consiste em não fazer jogo de cena, deixar de cara as máscaras de lado e correr o risco de se mostrar exatamente como você é: preguiçoso, beberrão, repetitivo, ciumento, sonâmbulo, sei lá o quê. Isso seria não correr o risco dos velhos maus hábitos se potencializarem com o tempo, e sobressaírem sobre as coisas boas. Seria poupar que ali na frente, bem daqui a pouco, uma discussão babaca por uma opinião negativa sobre um amigo, sobre um rango, sobre o filme, gere um arranca-rabo daqueles e acabe de uma vez com seu domingo. Tentar o caminho da verdade é não fazer a linha, é agir com o coração sempre, admitir-se humano, sofredor feito um corintiano, cheio de defeitos e vontade de dar certo. E eu quero tentar.

segunda-feira, 9 de março de 2009

A importância de ser cortês


Nos últimos dias, dois fatos aconteceram em direções opostas, mas que me fizeram pensar na mesma coisa: a importância de sermos corteses, gentis. Todo mundo anda muito louco, muito apressado, muito preocupado, sem tempo, sem grana, sem tesão pra nada. É muito tentador entrar nessa também, mas eu sempre acho que vale a pena olhar no olho de alguém sorrindo pra dar bom dia (principalmente os desconhecidos), perguntar se está tudo bem e realmente ouvir a resposta. Mas tenho que admitir que também saio da linha e meu lado “curínthia” vem à tona. Explico: Semana passada fui com duas amigas à lotada Vila Madalena. Era domingo e eu tinha acabado de ir à churrascaria, nem sei o que fui fazer num bar lotado de almofadinhas, mas enfim lá estava eu procurando uma vaga quase impossível de se achar. Foi quando vi um careca atarracado colocando a chave na porta do carro, abri a janela e perguntei pro homem mola do He –Man: “Ei amigo, vai sair?” No que ele, no auge de sua simpatia responde “Vou sim, daqui duas horas, aproveita e fica aí olhando meu carro”. Huahahha convenhamos que foi boa, tanto é que minha primeira reação foi dar risada, isso é: até eu perceber que o cara tinha sido um babaca à toa. Quando vi eu já estava com a janela do carro aberta xingando até a última geração do sujeito, com o dedo do meio em riste, totalmente transtornada. Mais transtornada que eu, estava a mulher do cara. Uma loira feia que veio cambaleando lá do outro lado afim de briga também. Bêbada, ela xingava sem nem saber o que tinha acontecido, e eu que sabia (e era uma bobagem) xingava também. O trânsito andou, eu fui embora, mas ainda sob efeito daquela adrenalina negativa, pensando uma porrada de merda. Eu havia me transformado numa pessoa louca como tantas outras que vejo, capaz de jogar o extintor no carro de alguém que nunca viu na vida (uma das merdas que pensei). Quando me acalmei fiquei tão de bode que fui pra casa refletir. De frente pra parede e chapeuzinho de cone na cabeça, vi que eu precisava ficar mais de boa nas horas que realmente eram necessárias. Que se de noite, nas minhas orações, eu pedia sempre paciência, sabedoria e generosidade, mais chances, portanto, eu teria de usá-las.
Em contrapartida, apresento o outro fato: Dia desses estava fazendo as unhas e nessas horas sempre fico meio quieta, pois não sou muito chegada em papo de salão e também nunca sei o que está acontecendo na novela. Mas reparei no esmalte vermelho que uma senhorinha ao meu lado estava passando, elogiei a cor e, sei lá como,começamos uma conversa animadíssima. Ela me contou que também tinha se formado em jornalismo, mas que não exercia, contou das filhas, do cachorro, enfim. Depois ela foi embora e as manicures contaram que aquela senhorinha era meio quieta e até meio ranzinza, que nunca tinham visto ela conversar daquele jeito. E eu perguntei “Ué, mas alguém já tentou conversar com ela?” Silêncio. Uns dias depois lá estou eu dando um talento na manicure de novo, quando cheguei a recepcionista falou que tinha uma “encomenda” pra mim e me apresentou um pequeno pacotinho com um bilhetinho grampeado, nele estava escrito “Para a jovem e doce Marina. De Olívia.” e dentro, o esmalte que eu havia gostado. Um novinho. Fiquei tão tocada, o céu se abriu, tinha música no ar. Pensei: O mundo ainda tem jeito. E eu também!

sexta-feira, 27 de fevereiro de 2009

Mania de explicação


Sou uma grande admiradora daquelas pessoas que conseguem ser bem sucedidas naquilo que fazem. Em especial quem opta por trilhar caminhos não tão fáceis, como os atores, cantores, escritores, poetas, roteiristas, etc. Principalmente esses últimos, com os quais mais me identifico. Ser roteirista no Brasil só dá dinheiro na televisão, não digo isso por mim. Quem disse isso foi a Adriana Falcão, em entrevista recente à revista TPM. Ela é uma das roteiristas da “Grande Família”, eu já curtia muito o trabalho dela, e mais ainda quando descobri que ela escreveu alguns livros infantis, “Mania de Explicação” é um deles. Adriana Falcão não é apenas uma das melhores roteiristas que eu conheço, é uma mulher batalhadora, que passou por altas bad trips durante a vida, mas consegue ver tudo com bom humor: Talentosa, bem sucedida, casada com o lindo João Falcão e até bonita a danada é. Quando crescer, quero ser que nem ela. Estou meio sensível e o tal livro me achou. Fiquei super entretida, me identificando, pensando em algumas definições que ele trazia, me deu uma sensação tão boa, mas tão boa... E agora divido por aqui:

Era uma menina que gostava de inventar uma explicação para cada coisa.
Explicação é uma frase que se acha mais importante do que a palavra. As pessoas até se irritavam, irritação é um alarme de carro que dispara bem no meio de seu peito, com aquela menina explicando o tempo todo o que a população inteira já sabia. Quando ela se dava conta, todo mundo tinha ido embora. Então ela ficava lá, explicando, sozinha.
Solidão é uma ilha com saudade de barco. Saudade é quando o momento tenta fugir da lembrança pra acontecer de novo e não consegue. Lembrança é quando, mesmo sem autorização, seu pensamento reapresenta um capítulo. Autorização é quando a coisa é tão importante que só dizer "eu deixo" é pouco. Pouco é menos da metade. Muito é quando os dedos da mão não são suficientes.
Desespero são dez milhões de fogareiros acesos dentro de sua cabeça. Angústia é um nó muito apertado bem no meio do sossego. Agonia é quando o maestro de você se perde completamente. Preocupação é uma cola que não deixa o que não aconteceu ainda sair de seu pensamento.
Indecisão é quando você sabe muito bem o que quer, mas acha que devia querer outra coisa. Certeza é quando a idéia cansa de procurar e pára. Intuição é quando seu coração dá um pulinho no futuro e volta rápido.
Pressentimento é quando passa em você o trailer de um filme que pode ser que nem exista. Renúncia é um não que não queria ser ele. Sucesso é quando você faz o que sempre fez só que todo mundo percebe. Vaidade é um espelho onisciente, onipotente e onipresente. Vergonha é um pano preto que você quer pra se cobrir naquela hora. Orgulho é uma guarita entre você e o da frente.
Ansiedade é quando faltam cinco minutos sempre para o que quer que seja. Indiferença é quando os minutos não se interessam por nada especialmente. Interesse é um ponto de exclamação ou de interrogação no final do sentimento.
Sentimento é a língua que o coração usa quando precisa mandar algum recado. Raiva é quando o cachorro que mora em você mostra os dentes. Tristeza é uma mão gigante que aperta seu coração. Alegria é um bloco de Carnaval que não liga se não é fevereiro.
Felicidade é um agora que não tem pressa nenhuma. Amizade é quando você não faz questão de você e se empresta pros outros. Decepção é quando você risca em algo ou em alguém um xis preto ou vermelho. Desilusão é quando anoitece em você contra a vontade do dia. Culpa é quando você cisma que podia ter feito diferente, mas, geralmente, não podia. Perdão é quando o Natal acontece em maio, por exemplo. Desculpa é uma frase que pretende ser um beijo. Excitação é quando os beijos estão desatinados pra sair de sua boca depressa. Desatino é um desataque de prudência. Prudência é um buraco de fechadura na porta do tempo.
Lucidez é um acesso de loucura ao contrário. Razão é quando o cuidado aproveita que a emoção está dormindo e assume o mandato. Emoção é um tango que ainda não foi feito. Ainda é quando a vontade está no meio do caminho. Vontade é um desejo que cisma que você é a casa dele. Desejo é uma boca com sede. Paixão é quando apesar da placa "perigo" o desejo vai e entra.

Amor é quando a paixão não tem outro compromisso marcado. Não. Amor é um exagero... Também não. É um desadoro... Uma batelada? Um enxame, um dilúvio, um mundaréu, uma insanidade, um destempero, um despropósito, um descontrole, uma necessidade, um desapego?

Talvez porque não tivesse sentido, talvez porque não houvesse explicação, esse negócio de amor ela não sabia explicar, a menina.

sexta-feira, 20 de fevereiro de 2009

Desapego







Do dicionário aurélio: desafeição; desinteresse; desamor; indiferença; desprendimento.
Se colocar no Google, 417.000 resultados aparecem. E como é que nada disso consegue traduzir o que eu sinto, ou melhor, o que eu preciso? Será que o desapego é dom exclusivo de sagitarianos e freqüentadores de micareta?
Ontem cheguei em casa um pouco embriagada. Estava contente porque encontrei vários amigos que não via há tempos e o fato de eu ficar a noite toda pagando quase 6 mangos numa long neck foi compensado. Um amigo perguntou se eu havia comprado meu vestido na liquidação de réveillon. Poxa, faço de tudo pra caprichar no figurino e o cara me vem com essa... Mas depois, pensando por outro lado, fazia um puta tempo que não o encontrava. E amigo que é amigo é assim. Já chega zoando. Quando o vi, não pensei em perguntar ironicamente “e aí tem saído muito, tá na balada né?” ou então: “Você deve estar conhecendo muitas outras amigas por aí, não é mesmo??” Simplesmente porque eu posso ficar um baita tempo sem vê-lo e nada vai mudar, meu carinho continua o mesmo, quero mais é que ele se divirta. Isso deve ser amor. Aí nós vamos embora. Ele me abraça e diz “Adorei te ver Má, a gente se fala”, e o incrível é que não perco nem um milésimo de segundo pensando “Mas será que ele vai ligar mesmo?”. Só não sei por que não consigo agir assim sempre. Apego se disfarça de amor. Não só ele como a culpa, a carência, a solidão, etc. Mas eu tô ficando escolada e conseguindo enxergar com minha visão mira laser com nigth shot quando algum desses sentimentos zombeteiros colocam óculos de disfarce (saca aqueles com narigão, bigode e óculos?) e tenta se passar por amor.
Só não sei onde fica o desvio das minhas idéias. Esse software instalado na minha caxola que não me deixa dizer as coisas que eu realmente sinto. É como se ao passar pela minha boca as idéias se confundissem, o que era branco fica preto, o doce, amargo etc. Talvez eu precise mesmo é me desapegar um pouco daquilo que eu acho que eu sou. Pra tentar começar de novo. Acho que eu preciso morrer um pouco. Acho que a saudade e o receio estão me deixando no elo. Acho, também, que to virando emo.

terça-feira, 17 de fevereiro de 2009

A Estação da Vida


Às vezes a gente passa pelo tempo de mansinho, fingindo não perceber quando um ciclo de vida acabou e outro vai começar. Faz-se de morto pra comer a bunda do coveiro, mas não tem jeito, a vida vem com os dois pés na porta e somos obrigados a nos dar conta. Da finitude das coisas. Dos desencontros. Uma vida sentido Jabaquara, e outra Tucuruvi. Uma se cansa enquanto outra se aquece pra entrar em campo. E não digo isso por razões empíricas. Na verdade até meu espelho já se cansou das minhas razões e meus amigos tomam a cerveja toda do copo num gole só quando começo divagar sobre elas. Ando mesmo repetitiva, prolixa e sem capacidade de síntese.
Então se alivie. O assunto não sou eu e nem minhas perturbações. O caso é que essa semana encontrei uma amiga prestes a dar a luz. Minhas matutações começam daí. Por que ela é mais nova que eu, e aí meu primeiro pensamento é: Nossa, tomara que ela dê conta, ela ainda precisa da mãe dela e vai ser uma. Imagine só, ser para alguém o que minha mãe é para mim! Segundo pensamento: Antes ela do que eu. Terceiro pensamento: Porra, mas eu também queria ser mãe, será que vai demorar muito?! Acho que sim, no momento conto as moedas pra comer lanche de pernil na porta do jogo e me faltam candidatos. Mas olha, acho que eu daria uma mãezona, imagine só: um molequinho dentucinho e bonachão, jogando bola na frente da minha casa com a camiseta do Corinthians! (sinto que nesse instante os candidatos diminuem ainda mais)
Já era tarde e eu estava fazendo hora extra no chá de bebê, aí a Michelle senta com sua barriga de melancia e todo mundo fica atento olhando porque ela diz que a Eva está mexendo e eu sou a única que não enxerga nada. Vou com meus olhos arregalados pra perto dela, tento um novo ângulo e nada, penso que fumaça do narguilé está me atrapalhando (super consciente, o pessoal). Até que ela, linda como nunca, coloca minhas mãos na sua barriga. Penso em fazer um pedido. Vai que funciona né? Tipo Buda, vai saber. Pensamento interrompido por um movimento. Fico careta, abismada, beje. Ela aperta ainda mais minha mão contra a barriga, que afunda. Eu não sabia que afundava e fico horrorizada. Sinto a Eva, a Mi me explica que ali é o pezinho. Entro em parafuso, fico maravilhada e meio assustada (tanto é que, num ato inexplicável e vergonhoso, comecei esfregar mão na minha blusa, com aflição). Dali pra frente foi que me dei conta que de fato havia uma vidinha ali, uma pessoa como eu e você. Até então a Mi estava com uma baita pança e um dia teria um bebê. Simples assim. Agora não, era uma vida e eu me via totalmente apaixonada por ela. Louca pra tocar aquele pezinho sem a barreira da barriga. Aí eu entendi tudo, no porquê dela estar tão feliz e com os olhos mais brilhantes do que nunca, mesmo tendo perdido todas as calças e não conseguindo dormir.
Por outro lado um grande amigo assiste do alto de sua impotência, sua mãe habitar o sono profundo do coma. Duas preparações diferentes, expectativas no extremo de todas as dicotomias. Em uma casa, o milagre da vida é celebrado, o que não deixa de acontecer na outra casa: A vida que se fez, que deixa frutos e que, quando superar tudo isso, será celebrada como no começo. De qualquer forma, temos muito a comemorar. Pela vida da Eva, prestes a começar, e pela vida da Anita, grande mulher, que criou grandes homens, e hoje nos ensina a olhar pra vida com mais amor. Salve.

quarta-feira, 4 de fevereiro de 2009

Matutações




Você sabia que nem todas a borboletas nascem de um casulo? Algumas borboletas são pétalas de flores que decidiram voar. Mas todas as lagartas serão borboletas e das folhas e flores que se alimentam virão as cores de suas asas. Veja....até algo que tem raízes, uma hora pode mover-se livre. Mas isso nem todos veem. Pena que seja para poucos. Há aqueles que insistem em viver o velho. Pois o velho também sempre traz algo de novo. Não é a mesma coisa que o novo. Não é tão fresco. Nem é de tanta entrega.


**


Trecho de um livro lindo:


E quando te houveres consolado (a gente sempre se consola), tu te sentirás contente por me teres conhecido. Tu serás sempre meu amigo. Terás vontade de rir comigo. E abrirás às vezes a janela à toa, por gosto... E teus amigos ficarão espantados de ouvir-te rir olhando o céu. Tu explicarás então: 'Sim, as estrelas, elas sempre me fazem rir!' E eles te julgarão maluco. Será uma peça que te prego..."

quinta-feira, 22 de janeiro de 2009

Despedida


Quando fechamos a porta

e nos olhamos a andar

pela fresta que formava

uma sombra

bailarina


Eu quis poder

agarrar seu corpo no chão
Talvez em vão


Você diz que tem saudade

mas limita-se a espiar

do outro lado da janela

do seu jogo de menina


Como vou saber?

Onde está, o meu coração?


Meu bem é muito mais fácil

sonhar sozinho

Você disse que o meu pesadelo

é coisa de menino


Não sonhamos tão certo

Nem tão errado assim

Mas a bela sombra da tarde

ainda dança pra mim.


Letra e música: Pablo Bastos e Gustavo Landgreen

terça-feira, 13 de janeiro de 2009

Unhas vermelhas


Pintei as unhas do pé de vermelho para não os perder de vista. Para não confundi-los com o chão e me distrair pelos caminhos onde ando. O caminho é o mesmo, assim como meu jeito de andar, mas se hoje pinto as unhas de vermelho você não vê. E se aparo a franja ou resolvo colocar meu vestido mais surrado para dançar Roberto Carlos no meio da sala, não é mais para ganhar reconhecimento da solitária platéia. Aí me pego na tentação de achar que as coisas não tem a mesma graça se você não vê, se você não está ali pra achar graça, pra achar tosco, pra me achar. Porque eu mesma, quase já não me encontro.
Falta alguma coisa no fim da minha mão, do outro lado do telefone e no porta-retrato. Não faltam motivos pra lembrar com saudade de tudo que foi e não volta, lembrar com carinho, com perguntas que inundam a cabeça de desespero... E se, e se, e se... Lembrar com raiva e alívio por algumas coisas perderem, de fato, o caminho de volta.
Questiono o sentido da saudade. Porque a palavra dá alusão alguma coisa que sentimos falta e queríamos que estivesse aqui. Agora. Que nome dar então para quando sentimos falta, sentimos amor, lamentamos a ausência, mas ao mesmo tempo um espasmo de lucidez nos faz acreditar e aceitar que a distância é a melhor solução... Que o caminho afunilou de tal maneira, e que você foi passando e lacrando cada saída mais sensata, tal qual um bingo clandestino, até que não lhe restou mais saídas a não ser seguir por um caminho estreito demais para dois.
Aí eu passo por essas noites de calor, ouvindo as músicas que sempre ouvi, olhando a mesma vista cortada pelas grades da minha janela, e peço ao tempo, à primeira estrela, a Deus, que me traga bons motivos, e que essa brisa que vem e me acalma possa estar também em seu rosto... Que traga a sensação de um amor que está acima das coisas mundanas, da cerveja a mais, da palavra ferina, da sacanagem ao pé do ouvido. E que possa entender o sono profundo a que foi submetido, para que não perceba e não sofra a minha saída pela porta a passos leves de manhã.

Ps: Janelas de Marina adota, a partir desse post, as novas regras de ortografia.

terça-feira, 6 de janeiro de 2009

Strogonoff de salame



- Não tá conseguindo dormir?
- Não... Mas ainda prefiro esse momento a quando acordo, e fico na dúvida sobre minha realidade, tenho que pensar que sim, que tudo isso que me afugenta o sono realmente aconteceu... e aí contabilizo por quantos dias ainda acordarei tendo esse como o meu primeiro pensamento.
- Transmute em poesia. Pense como se fosse poesia, ficção. Leia mais Bukowski, Nelson Rodrigues, Henry Miller... Eles lhe darão ferramentas para atingir a baixeza de que necessita.
- Strogonoff de salame.
- Que nojo.
- É! Algumas coisas são maravilhosas, porém, incompatíveis! E não há solução. Eu adoro salame, adoro strogonoff. Agora imagina um strogonoff de salame, que coisa mais esquisita, não rola. O caminho do salame é a cerveja e o limão, o do strgonoff é o filé mignon!
- Quase poético.
-Quase tudo é sempre quase. Quase perfeito, quase feliz, eu quase gozei. Quase se escapa. Não fosse aquele segundo, não fosse minha audição perfeita, aquelas palavras... Estaria quase tudo em paz.
- Não estaria. Não tem saída. Deu-se por satisfeita em escapar de uma batida numa esquina, mas na próxima uma muito mais certeira a aguarda e lançará a sua cara de encontro ao meio fio. Não tem saída. Todos os caminhos levarão à mesma coisa. A mesma colisão, o mesmo fim.
- Eu sei e me sinto patética por insistir.
- Foi uma escolha.
- Patética.
- Deve ser respeitada.
- Lamentada.
- Respeitada. Não se culpe.
- Sabe por quantos momentos nos últimos tempos eu desejei a invisibilidade?
- Muitos.
- Esse é um. Sinto como nunca minha mortalidade.
- Você vai ter um bom ano, as mudanças que não soube operar em sua própria vida tomaram vontade própria e aconteceram com uma urgência dolorida, mas que passa e você sabe disso.
- Tenho pensado muitas coisas boas pras pessoas que eu gosto. Todas. E às vezes tenho a impressão que todo mundo tem um caminho e só eu que não.
- Você está livre para tomar o caminho que quiser.
- É mais fácil não ter caminho.
- Tô contigo, acredite que será um crescimento incalculável. Procure o silêncio.
- Você pode me dar licença um pouquinho então?


Apaga a luz.
Entra a música na voz de Elis Regina “ Se eu quiser falar com Deus/ Tenho que ficar a sós, tenho que apagar a luz/ Tenho que calar a voz, tenho que encontrar a paz/ Tenho que folgar os nós, dos sapatos, da gravata, dos desejos, dos receios/ Tenho que esquecer a data, tenho que perder a conta/ Tenho que ter mãos vazias, ter a alma e o corpo nus.Se eu quiser falar com Deus/ Tenho que aceitar a dor/ Tenho que comer o pão que o diabo amassou/ Tenho que virar um cão, tenho que lamber o chão dos palácios, dos castelos suntuosos dos meus sonhos/ Tenho que me ver tristonho/ Tenho que me achar medonho/ E apesar do mal tamanho, alegrar meu coração.Se eu quiser falar com Deus/ Tenho que me aventurar, tenho que subir aos céus, sem cordas prá segurar/ Tenho que dizer adeus, dar as contas, caminhar/ Decidido pela estrada, que ao findar não vai dar em nada, nada, nada, nada, nada, do que eu pensava encontrar.