Quem vem lá?

quinta-feira, 22 de janeiro de 2009

Despedida


Quando fechamos a porta

e nos olhamos a andar

pela fresta que formava

uma sombra

bailarina


Eu quis poder

agarrar seu corpo no chão
Talvez em vão


Você diz que tem saudade

mas limita-se a espiar

do outro lado da janela

do seu jogo de menina


Como vou saber?

Onde está, o meu coração?


Meu bem é muito mais fácil

sonhar sozinho

Você disse que o meu pesadelo

é coisa de menino


Não sonhamos tão certo

Nem tão errado assim

Mas a bela sombra da tarde

ainda dança pra mim.


Letra e música: Pablo Bastos e Gustavo Landgreen

terça-feira, 13 de janeiro de 2009

Unhas vermelhas


Pintei as unhas do pé de vermelho para não os perder de vista. Para não confundi-los com o chão e me distrair pelos caminhos onde ando. O caminho é o mesmo, assim como meu jeito de andar, mas se hoje pinto as unhas de vermelho você não vê. E se aparo a franja ou resolvo colocar meu vestido mais surrado para dançar Roberto Carlos no meio da sala, não é mais para ganhar reconhecimento da solitária platéia. Aí me pego na tentação de achar que as coisas não tem a mesma graça se você não vê, se você não está ali pra achar graça, pra achar tosco, pra me achar. Porque eu mesma, quase já não me encontro.
Falta alguma coisa no fim da minha mão, do outro lado do telefone e no porta-retrato. Não faltam motivos pra lembrar com saudade de tudo que foi e não volta, lembrar com carinho, com perguntas que inundam a cabeça de desespero... E se, e se, e se... Lembrar com raiva e alívio por algumas coisas perderem, de fato, o caminho de volta.
Questiono o sentido da saudade. Porque a palavra dá alusão alguma coisa que sentimos falta e queríamos que estivesse aqui. Agora. Que nome dar então para quando sentimos falta, sentimos amor, lamentamos a ausência, mas ao mesmo tempo um espasmo de lucidez nos faz acreditar e aceitar que a distância é a melhor solução... Que o caminho afunilou de tal maneira, e que você foi passando e lacrando cada saída mais sensata, tal qual um bingo clandestino, até que não lhe restou mais saídas a não ser seguir por um caminho estreito demais para dois.
Aí eu passo por essas noites de calor, ouvindo as músicas que sempre ouvi, olhando a mesma vista cortada pelas grades da minha janela, e peço ao tempo, à primeira estrela, a Deus, que me traga bons motivos, e que essa brisa que vem e me acalma possa estar também em seu rosto... Que traga a sensação de um amor que está acima das coisas mundanas, da cerveja a mais, da palavra ferina, da sacanagem ao pé do ouvido. E que possa entender o sono profundo a que foi submetido, para que não perceba e não sofra a minha saída pela porta a passos leves de manhã.

Ps: Janelas de Marina adota, a partir desse post, as novas regras de ortografia.

terça-feira, 6 de janeiro de 2009

Strogonoff de salame



- Não tá conseguindo dormir?
- Não... Mas ainda prefiro esse momento a quando acordo, e fico na dúvida sobre minha realidade, tenho que pensar que sim, que tudo isso que me afugenta o sono realmente aconteceu... e aí contabilizo por quantos dias ainda acordarei tendo esse como o meu primeiro pensamento.
- Transmute em poesia. Pense como se fosse poesia, ficção. Leia mais Bukowski, Nelson Rodrigues, Henry Miller... Eles lhe darão ferramentas para atingir a baixeza de que necessita.
- Strogonoff de salame.
- Que nojo.
- É! Algumas coisas são maravilhosas, porém, incompatíveis! E não há solução. Eu adoro salame, adoro strogonoff. Agora imagina um strogonoff de salame, que coisa mais esquisita, não rola. O caminho do salame é a cerveja e o limão, o do strgonoff é o filé mignon!
- Quase poético.
-Quase tudo é sempre quase. Quase perfeito, quase feliz, eu quase gozei. Quase se escapa. Não fosse aquele segundo, não fosse minha audição perfeita, aquelas palavras... Estaria quase tudo em paz.
- Não estaria. Não tem saída. Deu-se por satisfeita em escapar de uma batida numa esquina, mas na próxima uma muito mais certeira a aguarda e lançará a sua cara de encontro ao meio fio. Não tem saída. Todos os caminhos levarão à mesma coisa. A mesma colisão, o mesmo fim.
- Eu sei e me sinto patética por insistir.
- Foi uma escolha.
- Patética.
- Deve ser respeitada.
- Lamentada.
- Respeitada. Não se culpe.
- Sabe por quantos momentos nos últimos tempos eu desejei a invisibilidade?
- Muitos.
- Esse é um. Sinto como nunca minha mortalidade.
- Você vai ter um bom ano, as mudanças que não soube operar em sua própria vida tomaram vontade própria e aconteceram com uma urgência dolorida, mas que passa e você sabe disso.
- Tenho pensado muitas coisas boas pras pessoas que eu gosto. Todas. E às vezes tenho a impressão que todo mundo tem um caminho e só eu que não.
- Você está livre para tomar o caminho que quiser.
- É mais fácil não ter caminho.
- Tô contigo, acredite que será um crescimento incalculável. Procure o silêncio.
- Você pode me dar licença um pouquinho então?


Apaga a luz.
Entra a música na voz de Elis Regina “ Se eu quiser falar com Deus/ Tenho que ficar a sós, tenho que apagar a luz/ Tenho que calar a voz, tenho que encontrar a paz/ Tenho que folgar os nós, dos sapatos, da gravata, dos desejos, dos receios/ Tenho que esquecer a data, tenho que perder a conta/ Tenho que ter mãos vazias, ter a alma e o corpo nus.Se eu quiser falar com Deus/ Tenho que aceitar a dor/ Tenho que comer o pão que o diabo amassou/ Tenho que virar um cão, tenho que lamber o chão dos palácios, dos castelos suntuosos dos meus sonhos/ Tenho que me ver tristonho/ Tenho que me achar medonho/ E apesar do mal tamanho, alegrar meu coração.Se eu quiser falar com Deus/ Tenho que me aventurar, tenho que subir aos céus, sem cordas prá segurar/ Tenho que dizer adeus, dar as contas, caminhar/ Decidido pela estrada, que ao findar não vai dar em nada, nada, nada, nada, nada, do que eu pensava encontrar.