Quem vem lá?

terça-feira, 25 de setembro de 2012

Doloroso fim (da dor?)



Cheguei na hora marcada, como sempre. Ela veio me receber com um sorriso, estava de batom cor de vinho, achei que ressaltou a cor dos dentes e comentei. Ela sorriu e tratou de se “defender” do meu elogio dizendo que era Avon, super baratinho.
Ofereceu-me um copo de água enquanto perguntava como foi meu dia, e olhava de soslaio para escada, ansiosa para subirmos. Eu na frente, ela logo atrás, pelo espelho do corredor a vi quando ela não esperava ser vista, mexendo no cabelo, passando a língua nos lábios e se não me engano, olhou pra minha bunda.
Sempre de unhas feitas, sempre cheirosa, é sempre bom chegar ali. Deito-me, mas antes tiro as calças e meias só pra esfregar um pé no outro. Ela passa as pontas dos dedos na batata da minha perna e me causa um arrepiozinho. Sorrio com um pouco de nervoso, sei que vou ter que falar. Vai chegar a hora em que eu vou ter que falar. Minhas mãos suam um pouco.
Ela espalma as mãos sobre minhas pernas, avança pelo joelho, coxas, sei que vai chegar lá. E chega. Ainda falando sobre coisas comuns da rotina com aquele sotaque mineiro que eu adoro, afastou minha calcinha no mesmo momento em que impedi sua mão de continuar. “Não, Lúcia”. Ela sorri apenas com os olhos “Por que não?”. Suspiro, me vejo ali deitada, tão vulnerável, mas ainda assim lhe digo “vou procurar uma depilação definitiva”. Assim, de sopetão, falei sem pestanejar.
Ela não entendeu, quis saber por quê, já que sempre me tratou tão bem. “Estou gastando muito dinheiro aqui, Lúcia. Pelo menos com a definitiva será uma vez só”. Típico de quem foi trocada, ela começa esculhambar a oponente, diz que é mentira que dura pra sempre, que dói pra caramba. E mais, que eu ainda voltaria pra ela! Apenas a olho com compaixão. Ela depila minhas pernas com ar de despedida, passa os dedinhos pela minha pele como se ali houvesse braile. Mas termina aceitando “Vai sim”, e eu subo as calças “Vai ser melhor pra mim”.
Pela primeira vez ela me levou até o portão, e enquanto eu a olhava pelo retrovisor dando tchauzinho me dei conta que terminar uma relação é sempre muito foda.

terça-feira, 7 de dezembro de 2010

Era dos extremos

Foto: Anna. Vienna/2010
O olho por fora, o dente por dentro
Meu riso na cara do tempo
O olho por dentro, o dente por fora
Meu riso na boca do vento
(Depende- Mpb4)
31 de dezembro de 2009. Era a primeira vez que não passaria o ano novo na praia, fechar esse ciclo sem pular sete ondas e sem emporcalhar o mar com mais uma rosa era desanimador. Mas estava prestes a entender o que era fechar ciclos de verdade, e pra isso não havia rituais e nem hora marcada.
Saia branca e blusinha laranja. Gosto dessa cor, dizem que tem a ver com fertilidade. Chuva, fogos, pessoas. Acendi uma vela pra Yemanjá e a enfiei com dificuldade na grama. Rezei, agradeci, pedi proteção e discernimento. Logo a brincadeira do destino começaria.
01 de janeiro de 2010. Sensação de que a vida simplesmente continuava, e seria essa a premissa que me guiaria pelos próximos 365 dias. Amostra grátis, comecei no lucro.
Longe de querer fazer essas retrospectivas que só gente insone acompanha, digo apenas que daí pra frente experimentei dicotomias.
Morri de água na boca e por outras vezes engoli a seco. Tentei achar palavras ideais, perdi a voz. Tive muita saudade, quis esquecer, mas acabei lembrando. Uma vez, dentro do carro, roubaram minha fé. E num assalto, roubaram o carro.
Pensei demais. Pedi a Deus para parar de pensar. Pedi a Deus pra não deixar de acreditar. Sonhei acordada, vivi sonhos. Nunca tão magrela, cintos no último furo. Nunca tão gostosa, calças apertadas e risos de açúcar cristal. Vontade de dormir não e acordar, por outras vezes insônia, anotando planos, listas. Não posso esquecer meu caderno de capa florida. Não posso esquecer quem eu era antes de tudo.
Senti-me largada à própria sorte. Senti-me a mulher mais sortuda do mundo! Tive vontade de agradecer a quem me mostrou a cara da mentira. Obrigada por me mostrar o quanto sou forte. Olhei-me no espelho e pedi calma. Olhei de novo e me vi mulher.
Brochei, perdi o tesão. Por outras vezes o coração disparou, euforia. Senti- me molhada até as coxas. Aceito mais uma taça.
O mesmo caminho a pé todos os dias de manhã. Os pés tocando solos onde jamais imaginei estar. Num dia injustiça, no outro gratidão. Cheguei onde queria. Aprendi querer mais.
Passei raiva, passei por isso. Chorei de cansaço. Chorei de rir.Achei que o tempo parou pra mim. E quando me dei conta já era dezembro. O último mês do ano mais intenso que vivi. Cada minuto, mortes e renascimentos, gostos e desgostos. Mais gostos. Gosto de lembrar o que passou. Escolho o que trago comigo. Gosto da cumplicidade, de pensamentos que são só meus, de risos alegres e tristes que deixo escapar quando ninguém vê. E gosto de amarelo. Esse ano novo passarei com um vestidinho amarelo.

segunda-feira, 6 de setembro de 2010

Tem que saber que eu quero correr o mundo...


Praca de La Bamba, Barcelona - Espanha (o computador nao tem acento). Foto: Felipe Castillo.

Tenho a impressao que faz mais tempo que estou de passagem. Tenho conhecido muita gente, muitos lugares, vidas completamente diferentes da minha. Vienna e um lugar lindo, cheio de contrucoes antigas, ruas cheias de flores e gente charmosa andando de patinete. Passo uns apuros pra me comunicar, a galera aqui fala alemao, desenrolo na mimica! Sexta passada fui pra Barcelona, sempre tive vontade de conhecer a Espanha (de onde sou descendente), rolou identificacao imediata. A lingua, o astral do lugar, a musica... parece que eu ja havia estado ali, me senti em casa... Respirava fundo, nao queria dormir e nem piscar, pra nao perder nada. Conheci museus, castelos, e uma caneca de um litro de cerveja. Depois de duas dessa ai, voltei pela Praca de La Ramba rindo a toa, pensando que se eu pudesse escolher onde estar naquele momento seria exatamente ali, naquele lugar/companhia/temperatura, tudo!
Fim de semana que vem vou pra Budapeste, na Hungria. A mochila... unico peso que carrego... fe em Deus e pe na estrada!

domingo, 29 de agosto de 2010

E não é que é mesmo um moinho?


Foto: Luciano Vicioni. Cansada, descabelada e muito, muito feliz. Essa foto me dá uma vontade de rir!

Como será o amanhã?
Responda quem puder
O que irá me acontecer?
O meu destino, será como Deus quiser.

("O amanhã", composição de Jorge Sérgio)

Enquanto escrevo observo a mala no meio da sala. Repenso mil vezes se não esqueci nada. Já quis esquecer muita coisa, mas não agora. Passei o dia sozinha, tenho andado bastante assim, nunca foi tão confortável.
Fiz um almoço gostoso, salada de grão de bico. Era o que eu estava a fim de comer. Combinei de encontrar uns amigos, mas antes resolvi sentar no quintal, ver o pôr do sol e tomar um café sem pressa, na companhia do Tom Zé, aquele tropicalista canino que divide o teto e as estrelas comigo. Porque era o que eu estava a fim de fazer. E tem sido assim, desfruto da mais doce liberdade.
Quando era mais nova adorava acampar, nunca voltava pra casa na data combinada. E liberdade era isso. Hoje liberdade é trabalhar com o que gosto; Poder decidir onde e com quem quero estar; Falar com meus pais e saber que são meus melhores amigos, nada cobram e não têm o que cobrar, apenas recebem com amor o que digo, fizeram bem a parte deles; e também, me deliciar na certeza de que conto comigo. Que nunca vou me colocar numa situação em que eu não esteja feliz, e muito menos deixar que me coloquem.
Amanhã estarei olhando para tudo isso a muitos pés de altura. Ansiedade se mistura à humildade. Humildade por saber que não controlo tudo e que por isso confio nos caminhos que se abrem. Ainda que em determinados momentos se mostrem sinuosos demais.
Se há três meses alguém dissesse como seria este meu domingo, jamais acreditaria. O que era incerto tornou-se certo. E a recíproca é verdadeira. O que era certo, referência, distanciou-se do que quero pra mim muito mais dos que os pés que estarei do chão amanhã.
Inversão que me tomou noites de sono... Até que o tempo passou a dar bons motivos pra tudo acontecer. Meu mundo, que já era grande, foi ficando ainda maior. E a força braçal para entender mudanças suaviza-se quando me dou conta que devo simplesmente fazer a minha. Não perder de vista o que acredito (essência, nego) e de resto, exercitar flexibilidade e fé. Fé em Deus, na vida, nas pessoas, no amor. E no destino.
A vida não está numa planilha do Excel, e, realmente, nada que se passa hoje era planejado. Logo mais essa mala enorme que atrapalha o caminho no chão da sala será coadjuvante de momentos especiais na Áustria e eu juro que quero muito, muito mesmo, saber o que vem depois.
Em meio a roupas, uma nècessaire gigante, documentos, livros, está um charmoso caderno de capa florida pintada à mão, que ganhei de presente. Nele vou escrever sensações que no futuro serão deliciosas lembranças, elas me farão companhia se acaso o moinho girar novamente. E gira... E aquele abraço pra quem fica!

quarta-feira, 28 de julho de 2010

Ecos, espelhos e outras papagaiadas


- Jaca! - Jacagay!!
Certa noite perdida na minha vasta lista de noites memoráveis fui ver o pai de uma amiga tocar com sua banda de jazz. Sonzeira. O cara, que ostenta o insosso cargo de “representante comercial”, nas horas vagas arrebenta no contra-baixo. Por pura sacanagem da molecada da minha rua, o apelido desse grande artista é Cotonete. Seu Cotô, figura lendária, tem a cabeça bem branquinha, como algodão.
Conforme as luzes do palco mudavam de cor, a cabeça do Cotô mudava junto. Verde, azul, vermelho, era lindo. Quando, numa onda meio flash dance, o globo de luz girou em várias cores, seus cabelos assumiram uma apoteótica dança de bolas multicoloridas. Pronto, não prestei mais atenção na música e algo me trazia a nostalgia de antigos e bregas abajures que tinham umas coisas que imitavam chafarizes e iam mudando de cor.
Algumas pessoas são como a cabeça do Cotô. Assumem a cor do que as ilumina no momento. E vão além, adquirem nova sombra, nova áura, porque não possuem nada disso, apenas emprestam daquilo que se põem diante delas. E depois partem para o próximo e previsível passo, o de propagar feito ecos discursos alheios, ancoradas naquilo que também não possuem, história.
Como pedras de gelo, sem cor, sem sabor, sem calor, assumem a forma do ambiente onde são colocadas. Assumem gosto e estado físico. Gelos feitos com água de torneira... vão bem com vodka vagabunda e Jurupinga em bares de esquina, onde são despejados depois do último gole, talvez no próximo copo, menores do que já são, antes que a lucidez se aproxime e nos faça ver a luz do sonho se apagar com a luz do dia.
Difícil saber diante de quem estamos, porque nesses casos fala-se com rastros de outras coisas, do diabo apenas o rabo. Vê-se à beira de um abismo profundo e vazio perguntando: Tem alguém aí? (aí, aí, aí...), e o que volta é sua própria voz, seu jeito, o melhor e o pior de você.
O Seu Cotô passou Grecin 2000 no cabelo e saiu pela rua tal qual um Assum Preto, mas aí perdeu a graça, tem coisas que precisam se mostrar como são, quando são sinceras até causam um fundinho de admiração.

segunda-feira, 19 de julho de 2010

sexta-feira, 9 de julho de 2010

MariNONA

E como no último post falei sobre o poema que ganhei, agora o coloco na banca.
Escritos são o melhor presente que eu poderia receber. E também o melhor que tenho pra dar.
Sou muito adepta das cartas, emoção-retrô... As letras de alguém, imaginar que suas mãos se arrastaram por aquele papel, o pensamento dedicado ao destinatário, a trilha musical da inspiração...

Mas isso fica pra outra vez porque o poema chegou por email.

E dizia mais ou menos assim:

"Sua inspiração é um bafo? A minha é você. Mari, escrevi um poema pra você. Te amo. Joana".

Aos Dois de Julho de Dois Mil e Dez

À Marina, que rima com bailarina,
Mas como nunca vi essa cena...

Da amiga bobona
Que sonha em ser Miss’Joana*...

*lee-se mijona

NONA

À primeira vista, Nona assusta o turista.
Olha por cima, de seu andar privilegiado,
Àquele que se aproxima com ganas de tarado.

Mesmo desdenhado, por um olhar apertado
Não há andarilho, caminhante ou passante
Que não se atente pra seu lado.

Nona chama a atenção!
Pernas longas e grossas, de índia escaldada,
Altiva como um português do sertão.

Quem nunca a viu passar sorrindo para fora
Não sabe o que esperar do coração dessa senhora

À segunda vista, se faz Ninha e o revés ao viajante
Coloca-se a envolver e disparar energia
Ao novo amigo e quem sabe futuro amante

Então já não se pode fugir dos abraços dedicados
Por povoados, cidades e países se espalham
Àqueles que ficam saudosos de seus cuidados

Mais bela ainda se revela quando se abre!
Flutua no ar sua pureza Guarani
Por dentro da casca de avaxi hi'y pe*

Só quem já sentiu a pureza de seu olhar naturista
Conhece o privilégio de se descobrir no coração dessa senhorita


* (Do idioma Guarani - Espécie de milho de espiga comprida. Fonte: Léxico Guarani, Dialeto MBYÁ, de Robert A. Dooley.)