É muito bom quando algum detalhe do dia a dia nos inspira a escrever alguma coisa. Basta estar atento e pronto, a sombra na parede se transforma numa figura, o poste de luz num monstrengo de vários braços e o apito da panela de pressão vira música.
Mas às vezes, escrever é uma forma de desabafo, é a válvula de escape para algo que transborda e ameaça implodir dentro da gente. “Escrever também é uma forma de pensar a vida”, e é a solução, talvez única, para quando algum sentimento nos aperta o peito.
A escrita é uma maneira de voltar no tempo, de dizer o que não foi dito, de aproveitar melhor o momento, ainda que apenas para alívio da alma. É um jeito de tentar entender o que ninguém pode explicar, como aquele dia, em que eu olhei pelo retrovisor do carro aquele menino indo embora com a mochila nas costas e logo a visão ficou turva por um choro que eu não sabia de onde vinha, por que vinha... E tive medo pensando ser um mau pressentimento, tive medo que algo de ruim lhe (ou me) acontecesse e esse temor consumiu meu coração uma tarde inteira. A sensação de “última vez” era iminente e eu só queria acreditar que era mais uma de minhas paranóias. Só que dessa vez tinha outro nome, era intuição mesmo. Graças a Deus não aconteceu nada de ruim, nem comigo nem com o menino da mochila, mas esse dia foi um divisor de águas. Aquela bifurcação no meio da estrada, sabe? Aquele momento em que algo lhe diz que tudo vai mudar. Mas quem falou que as mudanças também não são inspiradoras? A gente pira um pouco, mas logo, a nuvem volta a ser bicicleta, a árvore parece ter nariz e o fusquinha tem cara de ser um carro muito, muito feliz.