Quem vem lá?

segunda-feira, 26 de abril de 2010

Reflexos e Reflexões


Eu. Reflito. Foto: Paulo Contessoto.
Para ler ouvindo: Free Bird, de Lynyrd Skynyrd

Acordei na madrugada, ando mesmo com sono leve, com calor. Andei pelo corredor de casa e o coração disparou quando olhei pro lado e vi um vulto. Do meu tamanho. Cheio de olheiras. Que ideia, colocar um espelho aqui, no meio do nada, pensei suspirando com a mão no peito. Espelho é pra gente ver, e não ser visto.
Ser refletido de surpresa sempre assusta, de repente de um ângulo que não agrada, que nos deixe feios, fracos, de repente um ângulo que dê vergonha. Mas o espelho tem esse poder de refletir o que somos e trancende a condição de vidro, frio, inanimado, para se tornar, muitas vezes, o interlocutor do qual mais precisamos.
Edgar Allan Poe concordava comigo. Dizia que espelhos devem ser colocados de tal forma que ninguém se veja refletido nele sem querer. Espelho tem que ficar é no banheiro. Aí dá tempo de se preparar para ser visto. Enquanto caminhamos na direção dele endireitamos a coluna, arriscamos uma boa cara (ainda que insone), e fantasiamos lá no fundo ele dizendo "Não, não há ninguém no mundo mais belo do que você".
Sempre procuramos algo que nos mostre o que temos de melhor, de mais bonito, o mito de Narciso mostra o que o descontrole nessa busca pode causar. E o cabra morreu apaixonado por sua própria imagem numa fonte. Tragédia de amor impossível.
Amamos as pessoas pelo que vemos de nós, nelas. Mas quando elas mostram algo que não temos de bom, o espelho é colocado num quarto escuro, para aprender a não refletir o que não deve. Ou é quebrado, sem a culpa dos sete anos de azar, porque buscamos, e achamos, outros espelhos que nos mostrem apenas o que queremos ver.
Muitas vezes assumimos o papel do espelho, oportunidade de bom proveito para quem deseja se re-conhecer. Mas nem sempre queremos nos enxergar, só mostrar.
E dois espelhos frente a frente perdem-se em labirintos de imagens infinitas.