Quem vem lá?

segunda-feira, 29 de junho de 2009

Tempo rei


Dia desses eu falava sobre minha avó Dulce. As peripécias da espanhola ainda me parecem muito engraçadas e sou capaz de sentir o cheiro do inhoque de batata que eu gostava de comer cru. Também lembro meio chateada, do dia que ela desceu a chinela em mim por conta de um desenho feito na parede recém- pintada. Mal sabe ela, que frustrou minha carreira artística ali. Ou outra vez, que ela me incentivou a dar um cacete na minha prima maior que eu, que havia me dado um anteriormente. Poxa, não era da minha natureza, eu não me senti bem, mas ganhei um torrone pelo feito. Ela me deixava comer bolotas de açúcar. E fumar o cigarro dela. Só que eu tinha sete anos.
Aos meus oito anos ela cansou. A saudade que eu tenho dela é como se fosse uma coisa recente, é como se na semana passada eu tivesse estado com ela, ou uma hora atrás, ou, quem sabe, agora mesmo, esperando ela acabar de fazer o bolo de cenoura pra poder raspar o tacho. Não parece que já faz 18 anos que não a vejo. Certas coisas são atemporais. Sentimentos não fazem acordo com o calendário. São independentes dele e sabem mostrar como são. É como quando encontramos um amigo verdadeiro que nunca vemos. A conversa é igualzinha, o mesmo amor, a mesma confiança. O coração não conta, nesse caso, o tempo que as pessoas passam sem se ver.
Existe um tempo que não é contabilizado em horas, dias, não tem o batismo dos dias da semana, não acontece só em ano bissexto. Quem controla esse tempo é o coração, e só ele. Por outro lado, algumas coisas muito recentes do ponto de vista cronológico, parecem muito distantes. Isso porque o coração se distanciou antes que você pudesse se dar conta. Aí alguém que não está mais ao lado há 18 anos, parece mais próximo do que algo que estava aqui agorinha mesmo. Nem esfriou o sofá. Não é contraditório, é a realidade que se firma acima das coisas que usamos para contar o tempo: Nossa idade, o prazo pra deixar de ser estagiário e ser efetivado, pra ficar noivo e casar, entre outras churumelas. Não há tempo mais importante que o tempo do coração, nem nada que conte mais quando se trata de pessoas. Porque mesmo uma pessoa racional deve saber, que com gente, tratamos com o coração. Ficar contando dias, prazos, e isso ser prioridade, é pra negócios. Para matérias a serem entregues, TCC, horário de busão, gente não. Não se mede amor pelo tempo. Nem pelo tempo em que ele não faz parte do seu dia a dia e muito menos por quando passou a fazer.

Ps: Foto de Pablo Nabarrete. Pôr do sol em Boiçucanga. Visto há pelo menos 22 anos. Sempre como se fosse primeira vez.

domingo, 14 de junho de 2009

Pé no chão. Braços abertos.


Tem gente que dá muito valor para as certezas. Certeza de um trampo seguro, da fidelidade do maluco que dorme do seu lado, certeza de como o dia será amanhã. A necessidade de ter certeza nas coisas pode ser um grande impedimento em vivê-las por inteiro. Na hora que elas acontecem. Porque a hora de acontecer nada mais é do que a hora que seu coração te diz que é ali mesmo que você deveria estar naquele momento. E pra isso não tem hora, grande acontecimento, não é daqui dois aniversários, pode ser agora mesmo se assim disser teu coração.
Ser flexível ao que não era esperado é questão de treino, mudanças assustam e é difícil sair da zona confortável. Sim, porque mesmo uma rotina cheia de pequenas frustrações uma hora acostuma. E aí quando temos chance de fazer diferente ficamos com aquela sensação de criança no parquinho, antes de entrar no túnel fantasma, vontade de sair gritando, incapaz de imaginar o que espera lá dentro. Mas a outra possibilidade é aceitar. Aceitar as oportunidades que a vida oferece, aceitar o que nos é posto no caminho. Abraçar. Entrar no carrinho do trem e dar risada quando o monstrengo com cara do Serra aparecer. Lembrar que o carrinho, assim como tempo, não pára. E as coisas independem da sua bundamolice para acontecer, o carrinho continuará nos trilhos se você não entrar, e amanhã o cara da feira vai embrulhar um peixe no jornal, a velhinha vai jogar um punhadinho de milho pras pombas. Será um bom dia pra um monte de gente, e um mal dia para outro tanto. Você escolhe como estar em meio a todo esse movimento. Se será omisso, arrumará álibis pra tudo que não acontece como se contava, ou se vai abrir os braços e aceitar com zelo o que é teu por merecimento.


Ps: Foto de Gustavo, meu amigo Sudão. Em Paranapiacaba. A neblina não nos deixava ver muito adiante (estou há uns 4 metros dele) mas nós não paramos de andar. Como deve ser.



terça-feira, 2 de junho de 2009

Eu, eu mesmo, meu umbigo e meu olho vesgo


Poucos momentos nos deixam tão frente ao que somos quanto alguns simples em que estamos sozinhos. Há quem goste de se deparar assim e há quem se incomode com tantas constatações. Faço parte do primeiro grupo. Fico muito à vontade, sou muito confortável com o que sou. E não acho, por isso, que não tenho um milhão de coisas a melhorar em mim, não tem nada a ver o cú com as calças. Eu amo estar em companhia, sou louca pelos meus amigos, minha família, meu cachorro bafudo. Mas ficar sozinha também é uma delícia. E necessário. Seja pra ler um livro, andar no seu ritmo, enfiar o dedo no nariz.
Neste momento, conversava com um grande amigo pelo MSN, falei que estava entretida, escrevendo um texto sobre o prazer da solidão, sobre o gostoso de estar sozinha (não SER, mas ESTAR). E ele teve um insight, um pensamento profundo:

*Eduardo* ॐDu diz:
isso vai depender muito do motivo da solidão... se for bom vai ser bom se for ruim, péssimo
Marina Bastos diz:
é o que vc tem a dizer sobre o assunto?
*Eduardo* ॐDu diz:
a solidão traz inspiração quando me sinto seguro...
*Eduardo* ॐDu diz:
ela é para os fortes


Semana passada fui ao cinema com uma amiga. Fomos assistir ao filme sobre a vida do Wilson Simonal. Era quinta feira e eu havia encarado a dupla trólebus e metrô para ir pra Sampa. Chuviscava e eu ouvia Louis Armstrong no MP3 (continuo não tendo um ipod. Vê se pode). Depois do filme minha amiga foi embora com pressa e eu havia calculado mal o tempo, já que me encontraria com outra amiga que só chegaria uma hora e meia depois. Fiquei sozinha. Por um momento entrei em pânico. Estava sem crédito no celular e nem poderia importunar meus amigos. Dez da noite. Comecei a subir a Frei Caneca. Coloquei os fones, estava rolando Samba de Verão. Coloquei no volume máximo, danei cantarolar “Você viu só que amor, nunca vi coisa assim, e passou, nem parou, mas olhou só pra mim”... Uma hora o som falhou e eu percebi que estava gritando. O bom é que ali nada espanta muito. Fiz a volta na Paulista e comecei a descer a Augusta, só havia passado alguns minutos. Lembrei da sensação da esteira na academia. Sendo assim, parei num boteco. Pedi uma cerveja e sentei no balcão. Paquerei uma coxinha. Um guarda noturno me paquerou enquanto virava um copo de stanheguer. Hoje é meu dia, pensei. Pedi uma Brahma. “Dois copos?”, olhei pro lado “Só um”, respondi. O bar era meio fedido, tinha um esgoto do lado de fora que alguém com muito senso estético cobriu com um carpete colorido e encardido. Procurava não olhar muito para as pessoas. Pra não caçar assunto. Uma mulher sozinha sempre parece estar afim de companhia. Ali mesmo havia vários caras sozinhos, eles olhavam meio solidários. Acabou minha cerveja. Liguei a cobrar para dois amigos. Pedi outra cerveja. Lembrei da minissérie da Maísa, ela cantando “Meu mundo caiiiiuuu”, com um copo na mão. Fiquei com um pouco de pena de mim. E isso me pareceu muito engraçado. Comecei a rir e foi ficando constrangedor, mas esse é o tipo de pensamento que se você conta pra alguém não tem a menor graça. Ri até o olho lacrimejar. Aí aconteceu uma coisa doida: Uma coisa minha. Quando eu dou muita risada tem vez que eu choro na sequência. E foi isso que aconteceu. As pessoas do balcão esboçavam um risinho para acompanhar o meu, e a cara delas simplesmente se transformou quando perceberam que eu tava chorandinho. Tudo bem... Passou, passou, me recompus, refiz o rabo de cavalo, ajeitei a blusinha. O cara do bar se aproximou, viu que minha garrafa já estava no fim e trouxe outra sem eu pedir. Deixei, vai. Ele começou a contar uma piada tosca pro cara do meu lado, de gaúcho. Percebeu que prestava atenção e contou pra mim também. Resolvi contar uma boa pra eles. Ficamos rindo. Minha amiga chegou e desacreditou, ela tinha ido voando porque eu estava sozinha e quando chegou eu estava contando piada e me acabando de rir. Ela falou que o bar era feio e fedia muito, que tava insuportável. Engraçado.... Eu já nem percebia!


Ps: Foto de Marina Xavier. Uma companhia maravilhosa. Até pra ficar sozinha.